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Cursos de Engenharia vivem desafios na implantação de novas diretrizes

Cursos de Engenharia vivem desafios na implantação de novas diretrizes
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Pandemia, problemas sociais e entraves acadêmicos prejudicam a efetivação de resolução do Ministério da Educação para o ensino da atividade

Uma das principais qualidades da Engenharia está no potencial de desenvolvimento de engrenagens e processos que tragam o melhor resultado possível. No entanto, no momento é o ensino dessa atividade que mais precisa desse poder de transformação. Resolução que instituiu as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia (DCNs de Engenharia), foi publicada há quase quatro anos e as normas devem começar a vigorar no primeiro semestre de 2023. Suas premissas, no entanto, ainda estão longe de serem adotadas, muito em virtude da pandemia, mas também pelos desafios impostos pelas novas orientações.

Entre os obstáculos para a efetivação desse novo modelo é a preconização da adoção de metodologias de ensino baseadas no aprendizado ativo e com menor ênfase na memorização. Também seria necessário ser adotada uma preparação mais condizente com a realidade atual e uma formação mais voltada para o desenvolvimento de competências, menos limitada ao domínio do conhecimento isolado das disciplinas. A proposta do Conselho Nacional de Educação, homologada pelo MEC, é de que os profissionais passem a ter uma visão mais holística, pensando nas implicações de seus projetos no âmbito global e seus efeitos ambientais e sociais.

A norma diz que “O perfil do egresso do curso de graduação em Engenharia deve compreender” entre outras características, “ter visão holística e humanista, ser crítico, reflexivo, criativo, cooperativo e ético e com forte formação técnica“. Também estabelece como capacidade do estudante “estar apto a pesquisar, desenvolver, adaptar e utilizar novas tecnologias, com atuação inovadora e empreendedora“.


Colocar os preceitos em prática tem sido um desafio para a maioria das instituições brasileiras, principalmente porque a pandemia prejudicou em muito a implantação de medidas como por exemplo o incentivo ao revezamento entre as aulas teóricas e as práticas em laboratório. Durante o isolamento social, só aulas virtuais foram possíveis, atrasando o andamento desse processo. Mas as reformulações profundas e estruturais que são necessárias também colocam as metas como desafiadoras. 

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Crédito: John Dortmunder por Pixabay

Segundo o coordenador do Colégio de Entidades Nacionais do CONFEA, Vanderli Fava de Oliveira, parte dos princípios da resolução de 2019 já estava vigente anteriormente e poucas instituições os adotaram. Isso porque envolve decisões complexas, a começar pela valorização das graduações, que normalmente não são priorizadas pelos docentes, mais preocupados em se vincular a projetos de pesquisa na pós-graduação, que agregam mais a seus currículos acadêmicos. 

O fato de os cursos de Engenharia dependerem muito de professores de outros departamentos para o ensino das disciplinas básicas também não facilita o esforço de aprimoramento, sem contar que muitas vezes essas aulas se concentram num bloco inicial, nem sempre atrativo. Para ele, os alunos deveriam começar logo nos primeiros períodos a liderem com as questões relativas à engenharia propriamente dita.

Um dos maiores problemas dos cursos de Engenharia é a alta evasão, que chega a 70%. Na maioria dos casos, a desistência se dá no primeiro ano. Uma das causas é a separação das disciplinas básicas das de Engenharia, que só são vistas às vezes três anos depois do início. Professores de física, química e matemática acabam se dedicando mais aos seus bacharelados e licenciaturas e menos aos cursos de Engenharia. Faltando oportunidades de emprego no mercado de trabalho, muitos alunos acabam ficando desestimulados”, explica Vanderli, que foi presidente da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge), no período 2020/2022.

De fato, combater a evasão é outro desafio para as instituições e a resolução também preconiza esse objetivo. Entretanto, manter os alunos ativos e matriculados depende da adoção de medidas com foco nos problemas psicossociais enfrentados pelo corpo discente e de estratégias que ajudem no aproveitamento dos ensinamentos após a formatura, seja através da inserção no mercado de trabalho ou do empreendedorismo.

De acordo com Vanderli, estudos realizados na Argentina mostram que políticas de acolhimento aos estudantes têm o poder de reduzir em mais da metade a taxa de evasão. Um dos problemas a serem enfrentados é o choque que os alunos sofrem quando estão longe de casa e quem depende dos alojamentos precisa de uma atenção especial. 

Evitar repetências e desistências já seria um excelente passo para as universidades, que em seus programas de acolhimento deveriam incluir aulas de reforço. Isso combateria o problema do desnivelamento entre os estudantes, que levam para o Ensino Superior deficiências de sua formação anterior. 

Há iniciativas da sociedade civil que estão ajudando no combate ao problema. Um exemplo é o do Curso André Rebouças de Reforço de Cálculo, criado pelo coletivo estudantil Força Motriz. A iniciativa conta com o apoio do Clube de Engenharia, do Sindicado dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e da Mútua-RJ, caixa de assistência dos profissionais do Crea. As aulas ocorrem na sede da entidade, no Centro do Rio, e são gratuitas, o que beneficia sobretudo os alunos mais carentes.

Mas a verdadeira qualificação que precisa ser implementada é a da metodologia de ensino baseada em projetos (Project Based Learning, em inglês). Isso não significa abandonar a formação técnica, mas conciliá-la ao desenvolvimento de competências, aprendizagem colaborativa e interdisciplinar, em que os conhecimentos das áreas humanas também se fazem necessários.

O engenheiro é um profissional que precisa saber lidar com seu ambiente de trabalho, saber negociar e avaliar bem todos os efeitos de seu projeto. Não há como mais sair da faculdade sem conhecer os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as normas ESG ou a base da Indústria 4.0 e 5.0”, defende  Vanderli Fava de Oliveira.

Apesar das dificuldades, muitas instituições têm feito esforços para reformular seus currículos, estimular seus alunos e prepará-los melhor para a realidade que vão enfrentar. A UERJ, por exemplo, tem investido no acolhimento aos alunos de forma geral e os de engenharia também são beneficiados. A professora Érika Cabral, chefe do Departamento de Engenharia de Materiais, explica que a instituição tem se desdobrado para suprir deficiências de aprendizado dos estudantes, que também passam por problemas econômicos.

A proposta de um ensino voltado a projetos é muito interessante, desde que consigamos trabalhar uma base nestes alunos que estão ingressando no Ensino Superior. Os cursos de engenharia têm como principal objetivo formar profissionais que sejam plenamente capazes de resolver problemas e para isso é extremamente necessário que desenvolvam um raciocínio lógico”, ressalta a professora da UERJ.

Ainda enfrentando os efeitos da pandemia, a UERJ também vive o desafio de capacitar seu corpo docente para a nova realidade da Engenharia. “Por minha experiência com docentes da área de Exatas, vejo que é preciso investir em treinamento. Aprendemos tudo de uma maneira muito diferente do que, hoje, eu acredito que deva ser o ensino”, afirma Érika Cabral.

A Academia Nacional de Engenharia (ANE) constituiu um Comitê de Ensino, que elaborou o documento de Avaliação e Perspectivas do Ensino de Engenharia. As propostas contidas no documento da ANE visam recomendar alterações nas estruturas curriculares, de forma a diminuir a evasão e aprimorar a qualidade do aprendizado. 

Algumas dessas medidas são a organização dos conteúdos didáticos para atender à convergência do conhecimento cientifico e tecnológico, uma formação que estimule os estudantes a exercerem a independência intelectual, o rompimento de barreiras departamentais  na organização das estruturas curriculares, a redução das cargas horárias, delegando ao estudante maior responsabilidade pelo aprendizado, e a manutenção do ciclo básico comum, com uma componente de disciplinas de formação profissional mais motivadoras. 

Segundo Paulo Gomes, coordenador do Comitê, as mudanças não podem ser impostas de forma autoritária nem negligenciarem as particularidades de cada curso e também as especificidades regionais. Há atualmente no Brasil mais de 5 mil cursos de graduação, funcionando em unidades com vocações, dimensões e inserções locais ou regionais completamente diferentes. Por isto, as escolas de Engenharia necessitam ter a devida flexibilidade para organizar as suas próprias estruturas curriculares, com mecanismos adequados de acreditação e reconhecimento dos respectivos cursos.

Isso, entretanto, não impede que obedeçam a princípios norteadores, que compreendam o estímulo a uma cultura de educação continuada, de inovação e de empreendedorismo. Além das de formação básica, o Comitê defende que a formação do engenheiro contemple o domínio da metodologia científica, a capacidade em se apropriar de novos conhecimentos de forma autônoma e independente, a capacidade para desenvolver soluções originais e criativas, o conhecimento de aspectos legais, administrativos, ambientais, políticos e sociais, e dos princípios éticos, além das habilidades indispensáveis ao exercício profissional. 

“Competências e habilidades são essenciais para que o indivíduo tenha sucesso na sua vida social e na sua carreira. As propostas de reforma curricular dos cursos de graduação aprovadas em nosso país já sinalizam para a formação por competências. O ENEM já é orientado por Matrizes de Referências com competências e habilidades. A orientação no processo de aprendizado deve favorecer o espírito crítico dos estudantes, questionando, como afirma o documento da ANE, as diferenças obtidas entre os experimentos e os resultados esperados”, afirma Paulo Gomes, referindo-se ao documento “Avaliação e Perspectivas do Ensino de Engenharia”, elaborado pela ANE.

Ele toca em um ponto sensível para grande parte das universidades, que é a relação com o mundo empresarial e prático. Isso porque a preferência pela contratação de professores com dedicação exclusiva faz com que profissionais que atuam no mercado de trabalho se afastem do ensino. Por isso, o ideal seria que as instituições conjugassem os dois perfis de professores. A cooperação com instituições estrangeiras, proporcionando intercâmbios tanto para alunos quanto para o corpo docente também é algo a se estimular, segundo ele.

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Crédito: StockSnap por Pixabay

 O Clube de Engenharia também tem apoiado o aprimoramento do ensino da Engenharia. Um dos projetos que procuram levar conhecimento a professores e estudantes é o Humanidades na Engenharia. Profissionais de diversas instituições têm trazido para esse evento, suas experiências na conciliação entre os conhecimentos técnicos e os saberes humanísticos. Os programas estão disponíveis gratuitamente no canal da entidade no YouTube.

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