Dependência de importação de fertilizantes acentua preocupação com relação à agricultura

Dependência de importação de fertilizantes acentua preocupação com relação à agricultura
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Mais de 80% dos materiais, fundamentais para a produtividade do solo, vêm de outros países

Famoso personagem de ficção do escritor Lima Barreto, Policarpo Quaresma acreditava que o Brasil tinha o solo mais fértil do mundo e por isso seria uma “profanação” enriquecer a terra com nitratos, fosfatos e até o natural estrume. Um século depois da publicação desse clássico, entende-se o motivo da sátira feita pelo autor. O atraso na busca pelo domínio da produção desses materiais levou o Brasil a uma situação de dependência. Atualmente, eles são cada vez mais necessários e cerca de 80% desses produtos são importados e eventual desabastecimento traria sérias consequências sociais e econômicas. Com a Guerra da Ucrânia, aumentou a preocupação com relação à disponibilidade desses materiais, fundamentais hoje em dia para nossa economia.

Dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA) mostram que em 2022 houve uma redução em relação a 2021 de 12% na importação física de fertilizantes pelo Brasil. Porém, em valores monetários em dólar, as importações aumentaram 42%. Entraram no país cerca de 34,5 milhões de toneladas no período, o que pode ser encarado com um certo alívio, diante das previsões mais pessimistas que colocavam a Guerra na Ucrânia como uma catástrofe para o agronegócio. Mas diante da “pequena” produção nacional de 7,1 milhões de toneladas, o país teve que trazer de fora mais de 80% do consumo.

Em sua primeira edição, Clube de Engenharia em Revista deu início ao debate sobre essa dependência, com a publicação do artigo do Conselheiro da entidade José Eduardo Pessoa de Andrade. 

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Tecnologia ajuda na produção de fertilizantes. Crédito: Thiago César/Embrapa Solos.

O uso desses produtos tem como objetivo aumentar a produtividade do solo. Apesar da riqueza do território, o clima tropical, quente e úmido, dificulta a fixação dos nutrientes. Por isso, há a necessidade nas propriedades rurais do uso de fertilizantes à base de nitrogênio, potássio e fosfato. Estes dois últimos, dependem ainda de extração mineral. 

O principal fornecedor de fosfato do mundo é o Marrocos, país do norte da África cujo domínio sobre o território do Saara Ocidental, onde estão as principais fontes, gera longa controvérsia. Além da reivindicação de autonomia, há também disputas com relação à distribuição dos resultados financeiros da exploração da ex-colônia espanhola. Por outro lado, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, na Europa, coloca na berlinda o fornecimento de fertilizantes à base de potássio vindo dos Montes Urais.

Para completar o quadro, a partir de 2017 a Petrobras decidiu se desfazer de suas fábricas de fertilizantes. Com isso, foram fechadas unidades no Sergipe, na Bahia e no Paraná, e foi paralisada a construção, bem adiantada, de uma fábrica no Mato Grosso do Sul. A produção nas fábricas do Nordeste foi retomada pelo grupo privado brasileiro Unigel, da indústria química, que as arrematou da Petrobras. Já setores do governo já dão como certa a retomada da construção da fábrica de Três Lagoas (MS) pela estatal petrolífera. Mas o quadro é de preocupação.

Segundo o diretor de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Marcio Remédio, o país sofre de um déficit histórico em termos de pesquisa geológica voltada para a descoberta de reservas de minerais que compõem os fertilizantes. Isto porque nas últimas décadas grande parte dos estudos na área, feitos no território brasileiro, foram de responsabilidade da Petrobras, com a finalidade de encontrar petróleo e gás. São dados que caíram em domínio público e úteis para a mineração como um todo, mas como foram obtidos através de pesquisas voltadas para um outro setor, não refletem o potencial do país para a extração de minerais que são matérias-primas dos fertilizantes. Seria necessário investir em estudos com esse foco mais específico.

O Brasil é um grande importador de fertilizantes, mas por outro lado é exportador de alimentos, e respondemos por um sétimo do consumo mundial de comida. O governo investe em pesquisas de fosfato e potássio e há ações efetivas na busca de novos depósitos. Mas não tem solução mágica”, afirma Remédio.

De acordo com ele, a questão da extração fósforo é mais preocupante, pois as jazidas existentes estão se exaurindo, e mesmo com descobertas de depósitos mais recentes, há um prazo de cerca de 15 anos para a exploração comercial. No caso do potássio, uma grande descoberta no Amazonas até supriria a demanda nacional, mas há ainda necessidade de solução técnica para a extração e para os entraves judiciais.

Vinicius de Melo Benites, doutor em Solos e Nutrição de Plantas e pesquisador da Embrapa-Solos, explica que o Brasil deve permanecer durante muitos anos como grande importador de fertilizantes e o principal motivo é que esses produtos trouxeram maior eficiência e são de difícil substituição a curto prazo. Esses materiais, que começaram a ser usados com mais intensidade a partir da década de 1990, quadruplicaram a capacidade de produtividade do solo, principalmente no caso da soja e de outras commodities para exportação. Isso significa que é possível colher a mesma safra usando bem menos espaço, o que evita maiores desmatamentos. 

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Fertilizante Organomineral. Crédito: Thiago César/Embrapa Solos.

Mas o pesquisador aponta alguns caminhos que o país deveria adotar para o aproveitamento mais racional desses recursos e com o uso de alternativas que diminuam sua dependência. Além do estímulo ao aumento da extração mineral, o país pode procurar poupar o volume de fertilizantes disponível através do aconselhamento técnico de agrônomos.

Outras técnicas alternativas estão trazendo bons resultados e podem diversificar o enriquecimento do solo, como a do aproveitamento de esterco dos animais. A própria Embrapa tem trabalhado com a técnica de emprego dos organominerais, que são compostos por esses resíduos misturados com nutrientes minerais. Outra forma de se ganhar eficiência é através dos fertilizantes de segunda geração, que pelo uso da nanotecnologia são cobertos com polímeros que aceleram a absorção pelas plantas.   

Outra fronteira que está se abrindo é a dos bioinsumos. Com o uso de bactérias específicas, há maior fixação, por exemplo, do nitrogênio do ar no solo. A biotecnologia também contribui para a maior produtividade e redução da dependência dos produtos químicos na medida em que é responsável pela geração de plantas mais resistentes ou com maior enraizamento no solo. 

São técnicas que em alguns aspectos se aproximam da chamada agricultura orgânica, que dispensa os fertilizantes e outros produtos químicos, mas sem adotá-la na sua forma tradicional. Apesar desse modelo propriamente dito ter grandes vantagens do ponto de vista ambiental, ele apresenta dificuldades de ganho de escala. Não é à toa que produtos com o selo orgânico são normalmente mais caros nos supermercados. Também pesa contra seu emprego generalizado a experiência do Sri Lanka, na Ásia, que viu sua produção declinar drasticamente após a proibição de fertilizantes e defensivos. 

A Embrapa tem realizado um bom trabalho através de suas caravanas, que levam o ensino de boas práticas aos agricultores. A longo prazo, precisamos aumentar a produção com investimento em mineração e no desenvolvimento e uso de fertilizantes mais eficientes”, ressalta o pesquisador.

Os avanços técnicos poderão permitir também o uso do chamado hidrogênio verde, renovável, na produção da amônia em substituição ao gás natural, de origem fóssil não renovável. Essa substância é básica para os fertilizantes nitrogenados e o avanço não só dinamiza esse setor como reduz a emissão de CO2 para a atmosfera.

Os remineralizadores de solo são outro processo técnico inovador, que está servindo de complemento. Eles recuperam as propriedades químicas, físicas ou biológicas do solo, através da aplicação de rochas super moídas.

Todas essas alternativas, se implementadas com afinco pelo país e empregadas racionalmente, podem levar o Brasil a cumprir sua meta lançada no ano passado pelo Plano Nacional de Fertilizantes. O objetivo é que até 2050 o país produza pelo menos 45% do seu consumo. 

Para que a produção aumente e a meta seja atingida, as universidades terão também um papel importante. A Escola da Química da UFRJ tem linha de pesquisa para desenvolvimento de fertilizantes, que é útil para o aprimoramento técnico da produção e utilização desses insumos.

O professor Armando Cherem da Cunha se dedica ao tema e foi orientador de doutorado de Pedro Veillard Farias, que atualmente é assessor da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Segundo eles, um impulso fundamental será dado com a criação do Centro de Excelência em Fertilizantes e Insumos para Nutrição de Plantas, que será instalado no Rio de Janeiro. Através desse projeto, poderão ser feitas também parcerias público-privadas para a realização de pesquisas.

Para Cunha, o susto causado pela Guerra da Ucrânia pode ter servido de aprendizado, chamando a atenção para a necessidade de se aumentar a capacidade produtiva interna.  Mas, além da continuidade dos projetos já iniciados, é preciso mais investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para o setor, a fim de dar mais segurança ao fornecimento da agricultura. 

É patente que, além da dependência por insumos externos, o Brasil também apresenta um diagnóstico de dependência tecnológica a ser superado. Neste contexto, o projeto do Centro de Excelência em Fertilizantes e Insumos para Nutrição de Plantas está em fase de concepção, considerando algumas premissas: ganho de escala, parceria público-privada, compartilhamento de infraestrutura, hubs temáticos e ESG (Environmental, Social and Governance)”, diz Cunha. 

Ele aposta no potencial dos organominerais, que poderiam atingir até 10% do consumo nacional, diminuindo também a dependência do país. São produtos que se valem de um processo de maior circularidade e sustentabilidade, sendo mais vantajosos ambientalmente falando. Já Farias acredita que a meta estipulada para 2050 é factível.

Passamos por momentos difíceis nos últimos anos, com desinvestimento público e privado no setor. Os fertilizantes voltaram a ter sua importância reconhecida como pilar da competitividade da agricultura no Brasil, o que nos faz acreditar em um futuro promissor. É uma questão de segurança alimentar para o horizonte de longo prazo”, aposta Farias. 

Evitar um colapso da agricultura, uma atividade vital para a alimentação da população e o equilíbrio macroeconômico do país, é uma questão realmente estratégica. Enquanto os investimentos programados não trazem resultado, o país dependerá de sua diplomacia para garantir o sustento da agricultura e ficar sempre atento ao cenário geopolítico para continuar sendo uma potência na produção de alimentos.

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