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Telecom em perspectiva no novo governo

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Telecom em perspectiva no novo governo
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

No discurso de posse no Senado Federal, o Presidente Lula mencionou, entre outras medidas, a necessidade de “universalização da internet”, evidenciando com clareza a importância que assumiu, na vida em sociedade, o cidadão poder exercer sua plena cidadania sem obstáculos no seu acesso. Parece simples, mas não é. Por diversos motivos, que não o interesse do cidadão. Desde a privatização das telecomunicações em 1998, a meta tem sido proposta e tentada em vão. Mas as oportunidades criadas por um novo governo comprometido com o desenvolvimento social, educacional e cultural abrem perspectivas que podem ser apropriadas no desenvolvimento científico-tecnológico do país. 

Várias pesquisas recentes mostram o abismo digital social e regional em que nos encontramos, ainda mais agravados e expostos cruamente por ocasião da pandemia, que impediram o acesso a serviços públicos, à educação, à informação e ao entretenimento por parte da população. Indisponibilidade de acesso, tarifas altas, franquias que não permitem o uso pleno, insensibilidade social de entes governamentais, enfim, políticas públicas que não se mostraram adequadas.     

Um aspecto que precisa ser compreendido, é que não basta fornecer o acesso à internet. É claro que isso é importante. Mas há algo mais a ser proposto para que o cidadão possa ser atendido. A ONU/Unesco, em conjunto com entidades privadas, tem formulado ações paralelas ao fornecimento do acesso que devem ser implementadas, de modo a que efetivamente possa ser utilizado amplamente pela população. A “conectividade significativa”, como vem sendo chamada, implica acesso a velocidades adequadas (velocidades no mínimo da ordem do 4G), em um dispositivo apropriado que venha a ser utilizado, com franquia de dados suficientes (ou ilimitada) e podendo utilizar a Internet regularmente (sem interrupções). A ideia é dar oportunidade, como já ocorre em alguns países, a que TODA a população esteja preparada e possa usufruir os recursos colocados à sua disposição. Adicionalmente vale acrescentar que de acordo com a Constituição e a Lei Geral de Telecomunicações, os serviços de telecomunicações são públicos e que cabe ao Estado definir como prestá-lo. 

Insistimos de que não se trata de solução simples. Num ambiente em que o próprio Ministério das Comunicações é extinto e recriado por motivos eleitoreiros, em que a ANATEL é acusada de cooptação e favorecimento de grupos privados, em que a Telebras vive um ioiô de atribuições ao sabor da política ocasional, que o Tribunal de Contas da União tenha que frequentemente intervir para correção de rumos das ações públicas, que uma das grandes operadoras nacionais se encontra em recuperação judicial há anos, vemos com reservas como um ministro não afeito à pasta tenha independência e possa dar rumo à proposta do Presidente. 

O edital da tecnologia 5G foi uma síntese de todos estes problemas. Na pressa por explorar eleitoralmente os resultados do leilão, convivemos com decisões precipitadas e juridicamente duvidosas, alardeadas como se fossem um sucesso, e que culminaram em um indisfarçável fracasso, quando poucos interessados apareceram, e alguns até desistiram depois de terem vencido, resultando em sobras significativas de blocos de frequência. Muito adequado para as grandes operadoras que adquiriram o que quiseram por valores irrisórios. Não fossem as manifestações de entidades da sociedade em prol de um edital não arrecadatório, e que contivesse obrigações aos vencedores, até mesmo para a implantação de 4G, para resgatar deformações de leilões anteriores, poderíamos novamente nos deparar com inadequações de atendimento. Isso, não impediu que para as frequências de 26 GHz, não constasse nenhuma obrigação de implantação aos vencedores no texto inicialmente elaborado pela ANATEL. Por intervenção do Tribunal de Contas da União, de última hora, foram incluídos valores que os adquirentes dessa frequência deveriam destinar para utilização na implantação de infraestrutura de banda larga para escolas públicas do país, reivindicação antiga de instituições da sociedade civil.

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Universalização da internet nas escolas é desafio. Crédito: cherylt23 por Pixabay.

Temos visto ações políticas imediatistas, sem conexão com o médio e longo prazos, que não priorizam o desenvolvimento nacional, e nem são capazes de fomentar a reindustrialização do setor, criando cadeias produtivas geradoras de empregos que alavanquem o país para patamares compatíveis com nossas demandas por inovação e tecnologia. Há necessidade de maior participação nas decisões dos caminhos a serem trilhados. Centros de Pesquisa e a Academia devem ter maior protagonismo, bem como a sociedade civil, usuários e prestadores de serviços. As participações multisetoriais que dão voz aos diversos segmentos são fonte de ideias, e a eventual quebra de hegemonias não significa perda de harmonia nas decisões, e sim enriquecem e trazem foco para soluções sintonizadas à realidade brasileira.

Neste contexto, a DETI – Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação – do Clube de Engenharia elaborou as recomendações de alto nível a seguir, que foram levadas informalmente ao grupo de transição do governo eleito.

  1. Dar maior participação à sociedade civil organizada em um novo fórum de direcionamento das telecomunicações nacionais (nos moldes do Fórum Brasil Conectado), para o Conselho do Fust, Conselho Consultivo da Lei das Antenas, Conselhos de Usuários e Conselho Consultivo da ANATEL), de forma a possibilitar uma maior transparência na definição dos caminhos das telecomunicações nacionais. 
  2. Construir um Plano Estrutural de médio e longo prazos, sempre pela elaboração de consultas públicas efetivamente transparentes, abrangendo decisões de incentivo à P&D, fomento de cadeias produtivas nacionais por meio de incentivos (FINEP e fundos setoriais) com a participação da sociedade, academia e centros de pesquisa, e ainda buscando integração com outras entidades congêneres do Mercosul.
  3. Prover as instituições do ensino básico com acesso a conexões efetivas de alta velocidade, e pela criação de programas continuados de instrução de professores e alunos, possibilitados pelo fornecimento de planos de acesso, dispositivos e chips sem franquias, e pela coordenação dos programas existentes, evitando superposição de ações ou recursos físicos e financeiros (Fust, recursos do leilão do 5G, Programa Internet Brasil, e eventuais projetos de lei, Plano Nacional de Banda Larga nas Escolas – PBLE). 
  4. Estabelecer alternativamente a prestação do serviço de acesso à banda larga em regime público no atacado em regiões que não exista atendimento por nenhum prestador de serviço, mas que dada à sua característica de essencialidade o Estado tenha interesse de oferecê-lo. Com utilização dos recursos do Fust, as infraestruturas implantadas poderiam ser utilizadas por qualquer prestador de serviço no varejo. 
  5. Com a proximidade do final das concessões do STFC e da possibilidade de migração das concessões para autorizações, estabelecer o valor real dos bens reversíveis conforme instituído pela Lei Geral de Telecomunicações, que definia o acompanhamento desses itens desde a assinatura dos contratos de concessão, de forma que a infraestrutura do serviço seja mantida e possa ser novamente licitada para dar sua continuidade, e no caso da migração que o saldo do seu valor possa ser utilizado para ampliar o serviço de acesso à banda larga. 
  6. Estabelecer incentivos fiscais para universalização do acesso a toda população, tais como a redução do ICMS com compensações aos Estados, de forma que esses ganhos possam ser repassados com acompanhamento dos preços finais aos usuários realizado pela ANATEL. Paralelamente, instituir planos reduzidos especiais para usuários de baixa renda incluídos no CadÚnico
  7. Fiscalizar e dar acompanhamento às implementações relativas ao edital do 5G que se estenderão até 2029, e também para os grupos de implementação de banda larga nas escolas (Gape), e de limpeza das faixas de frequência (Gaispi). Dar voz à sociedade nas prioridades de atendimento, já que os usuários são os maiores afetados pela existência ou não do acesso.
  8. Estabelecer regulamentações de forma a incentivar a diversidade de soluções buscando otimizações, modernizações e inovações, com soberania sobre redes e serviços públicos, essenciais ao exercício da cidadania, de acordo com as necessidades específicas de nossa sociedade, tais como separação estrutural, neutralidade de rede, administração efetiva do espectro, regulação de plataformas digitais, conectividade significativa conforme orientações da ONU e Unesco, assimetrias regulatórias, normas e padrões nacionais e serviços de canais seriais de vídeo via internet, entre outros.

Como sempre fazemos, estaremos ombreados com outras entidades da sociedade civil no sentido de que se cumpram os compromissos assumidos e que, num governo progressista, se possam criar condições de um melhor desenvolvimento do setor. Que a complexidade que envolve as questões de telecomunicações não arraste o novo Ministério das Comunicações para armadilhas já conhecidas.

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SOBRE O AUTOR

DETI

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Bio: Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Clube de Engenharia.

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