CEITEC quase foi liquidada, mas começa a se preparar para produzir material para indústrias nacionais e até exportar
Entre os problemas causados pela pandemia de Covid-19, estavam os gargalos ocorridos em grande parte das cadeias produtivos pela escassez de suprimentos estratégicos, como os semicondutores. Itens fundamentais para indústrias como a de eletroeletrônicos, eles também são cada vez mais importantes em outros ramos, como o automobilístico e até na agropecuária, que também dependem de chips. Por isso, ganharam importância estratégica incentivos fiscais à produção nacional desses materiais e a reativação da estatal que os produziria. A ideia é, portanto, retomar a fabricação de peças pela CEITEC (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) ainda este ano, após sua quase liquidação pelo governo passado.
Um dos desafios para volta do funcionamento da unidade é a requalificação do maquinário da fábrica, localizada em Porto Alegre, considerado em grande parte obsoleto. Uma das preocupações da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, é com a chamada sala limpa (espaço controlado para minimizar a entrada de partículas no ambiente), que precisa de novos equipamentos. No entanto, é também grave a situação do quadro de funcionários, tendo em vista a perda de profissionais em dois anos de paralização. De 179, restaram apenas 76, sendo que dos que deixaram a empresa estatal muitos tinham alta qualificação e foram contratados por outras indústrias.
“Pelas oportunidades, pela falta de semicondutores e o colapso que há no mundo, não só de semicondutores de alta complexidade, mas de média complexidade. E o setor automotivo é uma grande chance de nos inserirmos [nessa cadeia]”, afirmou a ministra em um evento realizado no fim de abril.
A modernização é necessária tendo em vista também o fato de o governo brasileiro ter recebido grande parte dos equipamentos da Motorola como doação no ano 2000. O parque foi complementado depois da fundação da estatal em 2008 com equipamentos comprados com compatibilidade com os antigos. Desde então, foram gastos com a aquisição de máquinas e com o custeio da unidade, quase R$ 800 milhões. O fato de só ter gerado uma receita de vendas de R$ 64,6 milhões é um dos motivos das críticas feitas ao projeto.
Enganosamente, parte-se do raciocínio de que a única função de uma empresa é o lucro imediato e não se leva em conta o fato de que até empresas privadas demoram a ter retorno sobre o investimento, ainda mais no setor tecnológico. Em Taiwan, país asiático que hoje domina a produção de semicondutores no mundo, as líderes, que receberam inicialmente investimentos públicos, demoraram cerca de 15 anos para serem lucrativas.
No entanto, a CEITEC tem como desafio mais do que vencer o debate ideológico. A empresa precisa de fato se modernizar, recuperar seu capital humano e encontrar um modelo de negócio que aponte para uma viabilidade mesmo que a longo prazo. Um dos caminhos para isso é a utilização Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), que foi prorrogado 31 de dezembro de 2026, que prevê incentivos fiscais. Com isso, fica mais viável a produção nacional desses materiais.
Até a interrupção da produção, a principal demanda da fábrica era para a identificação da origem de bois, a fim de garantir que os animais não tinham crescido em pastos que resultaram de desmatamento da Amazônia ou eram de regiões afetadas pela febre aftosa. A exigência caiu e com ela a necessidade da fabricação desses chips. A lição é que a unidade deve encontrar nichos mais seguros para o crescimento de sua demanda e a futura sustentabilidade. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação avalia que a transição energética vai gerar uma demanda forte para semicondutores, principalmente pela produção crescente de carros elétricos ou híbridos e pela necessidade deles nos painéis fotovoltaicos. O órgão também mira a exportação para o mercado latino-americano.
“A gente tem um mercado, que não é só brasileiro, mas um nicho de mercado, principalmente na América Latina, de grandes oportunidades. É por aí que nós estamos apostando”, afirmou a ministra numa palestra recente.
Por enquanto, a indústria brasileira como a da maioria dos países continua dependente da importação de semicondutores da Ásia. Taiwan, que concentra a maior parte da produção, vive relação tensa com a China, que não reconhece sua independência. Além do risco de um conflito bélico, a ilha sofre bastante com os terremotos. Enquanto o Brasil não desenvolver um parque industrial para semicondutores próprio, a cada terror o medo de prejuízos nas linhas de montagem nacionais será constante.