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Eventos climáticos mais agressivos exigem mudanças nas políticas públicas de prevenção

Eventos climáticos mais agressivos exigem mudanças nas políticas públicas de prevenção

Crédito: Ricardo Stuckert/PR
Eventos climáticos mais agressivos exigem mudanças nas políticas públicas de prevenção
Tragédia gaúcha

Desastre no Rio Grande do Sul pode ser emblemático para uma mudança de paradigma no enfrentamento desses fenômenos

A ocorrência de eventos climáticos extremos, como os vistos no Rio Grande do Sul recentemente, tende a se tornar mais frequentes devido ao aquecimento global. De modo geral, são fenômenos difíceis de serem previstos com muita antecedência, o que exige um preparo permanente e ainda mais cuidadoso para seu enfrentamento. Por isso, há muito o que se avançar em termos de monitoramento e prevenção contra essas catástrofes naturais, o que é também preocupante com relação a uma cidade densamente povoada e com relevo acidentado como o Rio de Janeiro, bem como tantas outras regiões metropolitanas.

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Águas do Rio Guaíba invadiram Porto Alegre. Crédito: Gilvan Rocha/Agência Brasil

Se as medidas corretas tivessem sido tomadas com antecedência, possivelmente a tragédia gaúcha, que deixou mais de 600 mil pessoas desabrigadas e dezenas de mortos, não teria sido a mesma. A falta de manutenção no sistema de contenção do Rio Guaíba, bem como a ausência de um sistema mais eficiente de evacuação da população em áreas de risco, são exemplos de descaso com a prevenção. Como em outras tragédias, não faltaram acusações e esquivamentos de todos os lados, mas fica o ensinamento de que o país negligencia a prevenção.

Enquanto o estado sulista viveu uma crise pelas chuvas intensas, a anomalia climática no Rio de Janeiro foi a massa de ar quente e seco que tomou conta do estado. Em março deste ano, no entanto, uma ameaça de tempestade serviu de teste para a capacidade de resposta da capital fluminense. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) emitiu o alerta máximo para o dia 22 daquele mês, uma sexta-feira em que o trânsito já costuma dar um nó. A preocupação foi tanta que a prefeitura e o governo estadual chegaram a decretar ponto facultativo e o prefeito Eduardo Paes recomendou até que empresas dispensassem do trabalho presencial funcionários que poderiam ficar em home office. A precipitação não foi das maiores e a medida serviu mesmo para a simulação de como mobilizar agentes de diversos órgãos para o atendimento. Havia mais de 9,3 mil servidores de prontidão para casos de emergência.

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Recuperação do Rio Grande do Sul deve ser longa. Crédito: Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Para Ingrid Ferreira Lima, vice-presidente do Núcleo Rio de Janeiro/Espírito Santo da Sociedade Brasileira de Geologia, o evento de março teve como aspecto positivo a demonstração de uma sinergia entre as diferentes esferas da administração pública, que demonstraram uma maior articulação, concentradas no Centro de Operações Rio (COR). Entretanto, muitos avanços ainda são necessários para uma prevenção ideal.

Segundo ela, o mapeamento de risco do estado está defasado e o país também precisa aprovar seu Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Localmente, a capacitação de lideranças nas comunidades para a atuação em situações críticas também pode ser aprimorada.

“Houve um alerta antecipado, mas a precisão dessas previsões também precisa evoluir. Acredito que a partir da implantação de um Plano Nacional de Defesa Civil, teremos condições de adotar políticas preventivas mais eficazes. Defendemos também a valorização dos profissionais da área e melhores condições de trabalho”, afirmou a geóloga.

Professor da UERJ, o geólogo Cláudio Amaral destaca a importância do papel da educação para o enfrentamento dos fenômenos climáticos extremos. Tanto a desinformação quanto a falta de orientações corretas estão, segundo ele, na raiz de determinados agravamentos do quadro enfrentado pelas populações em situações de deslizamentos e enchentes. É o caso de despejo lixo e entulho em encostas ou no leito dos rios. São frequentes também as ocupações irregulares desses cursos d’água e suas margens, o que pode ser fatal em caso de chuvas fortes. A ocupação urbana cada vez mais intensa e sem planejamento deixa as cidades e regiões metropolitanas mais vulneráveis, o que possibilita até os deslizamentos de terra em áreas da Baixada Fluminense, que por sua formação mais plana não registrava essas ocorrências no passado.

“É preciso dar continuidade aos investimentos em pesquisas e estudos, bem como em obras de contenção e no mapeamento de risco. Mas isso vai resolver o problema por completo? Creio que não. Temos que desenvolver um trabalho de conscientização junto às comunidades e também junto às escolas. Só assim, mudaremos o comportamento e a mentalidade das pessoas, que precisam pensar também no coletivo”, defende Amaral.

A mudança de atitude também depende da mídia, que muitas vezes transforma os noticiários sobre o tempo num grande espetáculo, sem orientar devidamente o público sobre que atitude tomar em cada situação. Tanto o calor extremo quanto as tempestades exigem cuidados que precisam ser corretamente informados. Nesse processo de banalização, prefeituras também deixam de fazer seu papel e mais do que dar feriados nos dias chuvosos, é necessário preparar as cidades para as eventuais chuvas torrenciais.

Foram muitas as falhas apontadas com relação à atuação do poder público no Rio Grande do Sul com relação até às orientações para as famílias. A capital e outras cidades enfrentam agora, mesmo com a baixa lenta do nível da água, o problema da lama e do lixo que toma conta das ruas. Esse é o reflexo também do alto grau de desmatamento no estado, inclusive das matas ciliares. A crise certamente foi agravada em virtude do advento de um modelo agrícola predatório.

“Não basta anunciar que vai ocorrer uma chuva extrema. É preciso dizer claramente quais serão as consequências. Também em caso de não ocorrência do fenômeno, é preciso se dirigir ao público e dar as explicações devidas”, recomenda o professor.

Os fenômenos climáticos extremos não são novidade. Tanto que cheia semelhante à que inundou Porto Alegre já tinha ocorrido em 1941. No entanto, o que se está verificando nos últimos anos é uma frequência maior desses casos e com maior intensidade. Os efeitos também são mais danosos devido à urbanização não planejada. O mesmo pode se dizer dos deslizamentos de terra na Serra do Mar. Em 1967, por exemplo, as chuvas devastaram o município paulista de Caraguatatuba, onde cerca de 450 pessoas morreram em março daquele ano. Eventos dessa magnitude que ocorriam em espaços de tempo longos agora têm sido mais frequentes. Em 2008, foi a vez do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, ser palco de tragédia. O problema se repetiu em 2010 em Angra dos Reis; no mesmo ano, em Niterói; em 2011, na Serra Fluminense; em 2022, em Pernambuco e em Petrópolis. 

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Cidades enfrentam enfermidades e transtornos. Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Para o geólogo Marcelo Gramani, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, além de mais investimento em educação e treinamento de líderes comunitários e equipes de defesa civil, a prevenção é a melhor solução. Mas além de recursos para obras, o poder público precisa reformular seus estudos e mapeamentos de risco, em vista de índices pluviométricos cada vez mais altos, pois já não são tão raras precipitações até acima dos 500 mm. São condições que geram riscos tanto em virtude de escavações e aterros mal feitos como até em encostas com cobertura vegetal natural.

“A principal lição de tantas tragédias é a necessidade de o poder público executar um planejamento adequado da ocupação do solo. É preciso apoio técnico para as construções e para ocupação de forma mais ordenada”, alerta o pesquisador.

Segundo ele, as mudanças climáticas estão exigindo também uma reavaliação dos parâmetros de engenharia das obras, bem como os modeles de segurança geológica.

“Quando olhamos para uma cidade, vemos que os desafios para a adaptação às mudanças climáticas são enormes”, avalia Gramani. 

Descaso com a manutenção

Além da revisão da engenharia dos projetos, para que eles suportem os parâmetros de chuvas que vêm ocorrendo, cuidar da manutenção das estruturas já existentes é uma tarefa fundamental para o poder público. Atenção que pode ter faltado no caso de Porto Alegre. A capital gaúcha possui um sistema de prevenção contra enchentes construído no início da década de 1970. Segundo especialistas, a falta de manutenção dessa infraestrutura contribuiu para o desastre.

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Crédito: Reprodução Agência Brasil

O sistema é composto por diques, casas de bomba, além de 14 comportas que foram instaladas ao longo de 68 quilômetros dos rios Guaíba, Jacuí e Gravataí. 

Em tese, as comportas deveriam evitar as cheias e mesmo em caso de transbordamento, as bombas atuariam retirando água da cidade e devolvendo-a ao rio. Mas com o colapso do sistema muitas falharam. Além das máquinas não terem como funcionar por estarem debaixo d’água, parte dos diques serviu mais para represar a enchente do que proteger as áreas urbanas

Além desse sistema, que precisa ser reformulado para fazer frente ao volume de chuvas que se forma, grande parte da infraestrutura do estado tem agora que ser reconstruída. Estradas, pontes, casas destruídas pela enchente têm de ser recuperados. Um esforço calculado inicialmente em R$ 19 bilhões. Gasto que poderia ser evitado se houve maior atenção à prevenção.

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