Jornalista Pepe Escobar fala no Clube sobre o dilema entre o caminho subalterno ou a atuação coadjuvante mas de alta relevância no tabuleiro internacional

Além das questões domésticas, cabe ao Brasil um olhar atento a todas as movimentações que estão ocorrendo no cenário internacional para seguir o rumo do desenvolvimento e da soberania plena. Essa foi a grande lição tirada de palestra do jornalista Pepe Escobar no Clube de Engenharia,  para que o país se posicione estrategicamente e evite ficar a reboque das grandes potências. Para isso, o Brasil não deve desprezar a força da aliança Rússia-China e a capacidade dessas duas civilizações de liderarem uma transição para uma nova ordem internacional ou até mesmo se enfrentarem diretamente contra o Ocidente.

A fala do jornalista especializado em geopolítica foi logo saudada pelo presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e ex-presidente do Clube, Francis Bogossian, que participou da realização do evento junto com a TV 247. Ele destacou a importância do tema para a defesa dos interesses nacionais.

O presidente do Clube, Márcio Girão, também saudou a realização do evento, que contribuiu para o aprofundamento de questões geopolíticas importantes da atualidade.

“A transição para um mundo multipolar traz desafios e oportunidades, oferecendo maior diversidade de perspectivas e abordagens para resolver problemas globais, em particular do Brasil. Logo, compreender e gerenciar essa transição é crucial para a estabilidade e a prosperidade futuras de nosso país”, declarou Girão.

Entender o mundo multipolar não é tarefa fácil. E, segundo o palestrante, prever o futuro das forças em jogo no planeta pode ser ainda mais arriscado, principalmente sem o conhecimento dos fatos históricos envolvidos. Por isso, Escobar frisa momentos decisivos que foram cruciais para o fracasso de uma lógica unilateral que os Estados Unidos tentaram impor ao mundo. Entram em cena a ousadia do presidente russo Vladimir Putin, que vem enfrentando a hegemonia da Otan, e a capacidade chinesa de desenvolver estratégias tecnológicas e geopolíticas próprias. A aliança entre essas duas potências, segundo ele, pode mudar o equilíbrio de forças no mundo, quebrando o domínio americano e do Ocidente.

No entanto, outros atores emergem de forma até surpreendente para os estrategistas de Washington, que já estariam atônitos com os desfechos da guerra da Ucrânia, que Moscou vem vencendo. Um deles é o Irã, que começa a mostrar suas garras contra o tradicional aliado do Ocidente no Oriente Médio, que é Israel. Os recentes conflitos entre Teerã e Tel Aviv podem ser um prenúncio de uma escalada maior dos confrontos, que começaram pela Palestina, mas podem acabar envolvendo as maiores potências, que por enquanto atuam na retaguarda.

“As guerras do Império estão numa metástase constante. O erro estratégico deles de criar uma guerra contra o Islã como um todo no início do milênio foi absolutamente brutal. Não é que eles se arrependeram, é que eles perceberam que erraram de inimigo”, frisou Escobar, comentando novas ofensivas de sanções econômicas de Washington contra Moscou e Pequim.

São reflexos, segundo ele, de uma crise não só do imperialismo americano, com resistências surgindo em diversos lados, inclusive na África, como da hegemonia tecnológica e econômica das grandes corporações do Ocidente. Além do desenvolvimento científico que ocorre fora do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental, o mundo vê o surgimento de alianças novas, incluindo os BRICS e a Organização para Cooperação de Xangai. Esses dois blocos têm em comum a liderança sino-russa.

“Eles estão começando a descontrolar a narrativa do império, que é uma narrativa em bloco. Eles perderam a iniciativa da narrativa”, destacou o jornalista.

Portanto, uma ordem internacional que criaria um sistema dominado por uma civilização que imporia seus valores, cultura, poderio bélico e principalmente tecnológico para transformar a maior parte do planeta em sua periferia não teria condições de vigorar. Outras tradições civilizatórias estão buscando sua afirmação, bem como demonstrando capacidade de inovação.

“Não haverá um mundo multipolar sem uma liderança Russia-China. Essa talvez seja a lição principal da nossa década. Os outros são coadjuvantes em gradações diferentes e com importâncias diferentes. Esperamos que o Brasil seja um coadjuvante importante e não apenas a reboque, mas essa é uma decisão do governo brasileiro”, alerta o palestrante.

São lições que de fato impõem ao Brasil uma reavaliação de suas estratégias e mesmo que a curto prazo não seja viável assumir um papel de grande protagonista no cenário internacional, que tenha uma atuação coadjuvante mas de grande relevância e condizente com suas dimensões.