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Amazônia em 14 tempos

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A Recuperação da Petrobras

Pesquisadores propõem diretrizes para orientar política de princípios e elos estruturantes dedicada à região amazônica

Ennio Candotti (Museu da Amazônia),
Esther Bemerguy (CDESS),
Ildeu Moreira (UFRJ),
Ima Vieira (Museu Goeldi),
Gilberto Câmara (INPE),
Luís Antônio Elias (INPI),
Marilene Correa (UFAM),
Nilson Gabas (Museu Goeldi),
Raimunda Monteiro (UFOPA).
[1]

O presente documento é fruto das reflexões de um Grupo de Trabalho1 que foi formado com a finalidade de sistematizar as principais questões que envolvem a definição de uma política para a Amazônia e propor aos atores institucionais executivos, legislativos, estaduais, federais, públicos e privados, políticas atentas à diversidade das dimensões sociais, econômicas, culturais e científicas, marca profunda desta magna região.  

Propomos 14 temas e diretrizes que, a nosso ver, deveriam orientar uma política de princípios e elos estruturantes dedicada às questões amazônicas. 

  • 1 – Para promover e sustentar o desenvolvimento social e econômico técnico e científico da Amazônia, um fator determinante do sucesso das políticas públicas e empreendimentos privados é o investimento nos recursos humanos locais.

Um programa de multiplicação de Institutos públicos de ensino, pesquisa e extensão, nas capitais e no interior da Amazonia Legal foi iniciado nas últimas décadas e hoje está formando, em número crescente, jovens residentes nas capitais e nos municípios do interior. 

Em 166 municípios da Amazônia legal têm sede 330 campi dos 34 institutos de P&D e universidades públicas federais e estaduais (ver o Mapa e o elenco dos municípios sede Anexo 3).

Nos propomos promover o detalhamento do Mapa destes Institutos de modo a dimensionar os investimentos que vêm sendo realizados nestas instituições, ano a ano, nos municípios e capitais.

Verificar também os resultados colhidos na missão de formar, pesquisar e promover os desenvolvimentos necessários para sanar os desequilíbrios sociais, gerar renda e articular arranjos produtivos locais (APL). 

Deve-se observar que os serviços de internet não cobrem com eficiência a mencionada rede de campi, institutos. Dificilmente será possível criar uma rede de arranjos produtivos, ou enfrentar os desafios da segurança pública, sem sanar a precariedade dos demais serviços públicos básicos nos municípios.

Recomendamos também dimensionar os investimentos necessários para alcançar e aprimorar os padrões de reprodução de competências empenhadas no efetivo conhecimento e conservação da floresta e seu aproveitamento sustentável. O quadro dos investimentos da União em CT&I na região Norte, nas últimas décadas, revela que a região recebeu menos de 1/10 do que lhe seria devido segundo parâmetros vinculados ao PIB regional. 

Lembrando que os desafios amazônicos têm duas dimensões: uma social, econômica, etnocultural e arqueológica das comunidades que lá vivem há mais de dez mil anos e outra, biológica, climática, ambiental e paleo geológica -águas e florestas incluídas. Ambas estão relacionadas e devem ser entendidas a partir de uma abordagem histórica comum.

A Amazônia é um laboratório de biologia evolutiva único no planeta,  basta lembrar que os Andes subiram há apenas 60 milhões de anos e o Cráton Amazônia migrou pela superfície do planeta há mais de 1,5 bilhão de anos. Guarda hoje as marcas dessa antiga origem na diversidade dos minerais e na biologia que nela encontramos. 

No quadro da história social há também evidências consistentes que mais de 6 milhões de indígenas viviam na região por volta de 1500 e manejaram as paisagens e a floresta.

  • 2 – Conhecemos apenas 1/10 ou menos da biota da Amazônia. É dever ampliar o conhecimento da diversidade biológica existente, em um programa de longo prazo (20 anos), conforme sugerido em sucessivas manifestações dos institutos de pesquisa e universidades ao longo dos últimos cinquenta anos (v. Simpósio Biota Amazônia, Museu Goeldi em 1966 e 2006). 

Temos popularizado os conhecimentos da biota com o objetivo de sensibilizar a sociedade do grande valor científico e de mercado dos conhecimentos e produtos extraídos da floresta, águas e subsolo. ( ver nos catálogos Sigma Aldrich a substância “Bergenina” extraída da casca do Uxi Amarelo (Endopleura Uchi) comum na Amazônia, com valor de R$ 1.633 a mg). A divulgação científica deve colaborar nessa missão de promover a participação da sociedade na conservação dos ambientes culturais sociais e científicos amazônicos. 

O estudo e aproveitamento das plantas medicinais é um outro  exemplo que recomenda atenção da pesquisa e da sociedade.  

A floresta amazônica, seus ecossistemas e povos diversos atraem a atenção mundial, ecológica, cultural e climática. Seu conhecimento, documentado e consolidado, não pode ser negligenciado.  As comunidades e associações que vivem no interior devem participar ativamente desta missão de monitoramento e pesquisa.

  • 3 – As sementes da Amazônia guardam um patrimônio genético de interesse científico de longa história evolutiva e econômica.

Devemos construir um sistema de ‘bancos’ de guarda e registro de sementes, germoplasma e controle periódico da sua germinação, descentralizado, em polos do interior lá onde as plantas crescem e se reproduzem. Sabemos que cerca de 50% são recalcitrantes, não podem ser conservadas resfriadas e exigem cuidados no transporte.

Estes “bancos” devem ser laboratórios vivos de botânica e agricultura, nos centros do interior e contribuírem para formar agricultores, mateiros e botânicos.

  • 4 – Os recursos minerais da Amazônia devem ser explorados conforme normas estabelecidas pela legislação ambiental e mineral. Devemos criar institutos e competências capazes de evitar que a mineração seja dominada por métodos de extração ilícitos. Ela deve ser  monitorada e orientada por princípios, legislação e severas normas ambientais e de consenso social.

Como no caso do patrimônio biológico há também nesse caso grande desconhecimento da diversidade dos extensos recursos minerais da Amazônia. Os centros de pesquisa, prospecção e formação de geólogos os formam em número reduzido para as dimensões dos desafios minerais da Amazônia.  Eles deveriam ser multiplicados e incentivados a desenvolver métodos de extração não destrutivos dos ambientes, comunidades e floresta.  A metalurgia de muitos minerais abundantes na Amazônia também deveria ser dominada por técnicos e empreendimentos para processar os minérios localmente.

  • 5 – As águas de superfície e subterrâneas devem ser estudadas em suas múltiplas dimensões (alimentar, irrigação da agricultura, transporte de energia, engenharia fluvial, leito de navegação, transporte de esgotamento sanitário, insumo mineral, climática como vapor agente de efeito estufa, reagente químico etc.).

Deveriam ser mapeados com maior rigor os aquíferos subjacentes à região, do Atlântico aos Andes, e particularmente sua interação com a floresta (estudos recentes mostram que ela depende também dos aquíferos). 

É imperativo criar um Instituto, ou uma rede, um programa interinstituições que se dedique ao estudo da água na Amazônia e suas múltiplas e vitais funções. 

  • 6 – Um outro Instituto, entendido como rede de colaboração em pesquisa e desenvolvimento em um tema estratégico, deveria ser dedicado aos estudos da foz do Amazonas com a missão de pesquisa e monitoramento dos ecossistemas que lá encontramos.  

Há sessenta milhões de anos (desde o soerguimento dos Andes) o Amazonas despeja no Atlântico sedimentos e espalha águas doces – no oceano salgado – em um semicírculo de raio de c.300 km. 

Decifrar a evolução da vida vegetal e animal, nestes ecossistemas da transição doce salgado, poderia permitir o desenvolvimento de variedades de produtos alimentares que possam ser irrigados com água salgada. O tema de grande valor econômico e científico (ver por exemplo pesquisas da Embrapa ) encontra um laboratório natural, único no planeta,  na foz do Amazonas

  • 7 – Nas últimas décadas foram propostas, em diferentes locais  (Cruzeiro do Sul,  São Gabriel da Cachoeira ) a criação de universidades indígenas dedicadas a preservar e ensinar as línguas, cosmovisões, sistemas de classificação de plantas e animais, sistemas agrícolas entre outros saberes.

Formar os jovens indígenas e não indígenas nos conhecimentos guardados e ensinados pelos próprios conhecedores tradicionais.

A propícia conjuntura política permite hoje propor instituições com esse perfil, instaladas nas capitais e no interior da Amazônia nas proximidades de centros com densa povoação e tradição indígena. 

  • 8 – A hipótese, bem fundamentada, que a floresta foi no passado densamente povoada e manejada por ação indígena exige pesquisas sistemáticas de arqueologia, solos, antropologia, climatologia, agricultura sustentável, paisagística e paleontologia. Informações valiosas de como tratar a floresta e os povos que nela vivem, em tempos de sérios impactos antrópicos nos ambientes, podem ser extraídas desses estudos.
  • 9 – Surgiram nas últimas décadas, em grande número, associações de trabalhadores rurais e centros de memória e saberes tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

A documentação e preservação da memória das comunidades indígenas é de fundamental importância para conhecer e conservar a floresta e as práticas de manejo tradicionais. Promover a ação de sindicatos e associações extrativistas (como o MIQCB, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) no interior – e recuperar a sua história – fortalece a capacidade local de defender seus interesses e direitos, coletivos e individuais, combater as invasões violentas e expropriações das terras tradicionalmente ocupadas.

Entre os centros registrados no mencionado Mapa da IES públicas ( Anexo, ) foram localizados treze CCS, Centros de Ciências e Saberes, estabelecimentos de ensino pesquisa e atividades arquivísticas e museológicas e registro da memória, vinculadas diretamente a associações locais indígenas, quilombolas e ribeirinhas (não governamentais).

  • 10 – A Saúde é outro item de múltiplas dimensões que deve ser tratado entre os eixos estratégicos de uma política para a Amazônia.

Uma necessária articulação entre centros universitários e a rede de assistência médica, para atender as comunidades do interior, é outro imperativo, que condiciona a fixação de jovens no interior, dispostos a combater a batalha do conhecimento, dos direitos humanos, e a conservação na Floresta.

Há aspectos epidemiológicos (vírus, doenças endêmicas etc.), presentes, que devem ser estudados na região, (quem o faria fora?) nos institutos e universidades e há demandas imperativas de assistência e prevenção sanitária, em Institutos, postos e hospitais, particularmente no interior. ( É auspiciosa a notícia que o programa Mais Médicos abriu recentemente 1000 vagas para os municípios da Amazônia!).

  • 11 – Um ponto a ser incluído no elenco de questões estratégicas é a necessária criação de instrumentos locais para monitoramento das questões climáticas, da ocorrência de incêndios e desmatamento. 

O INPE precisa aportar recursos humanos e financeiros para fortalecer suas atividades de P&D em seu centro Regional CRA em Belém, onde realizar as atividades de monitoramento ambiental e do uso da terra que lhe foram atribuídas.

Os institutos Federais e Estaduais podem estabelecer com o INPE programas de formação de recursos humanos e cooperação em P&D nas áreas de monitoramento ambiental e climático. 
É necessário agora dar um novo passo e estabelecer vínculos mais estreitos entre o monitoramento remoto e o processamento das observações e do seu controle em solo.

  • 12 – Será imperativo também examinar a precária ação dos Institutos de Justiça – e a institucionalização da sociedade nacional na Amazônia – que compromete a obediência aos direitos constitucionais e a observância dos direitos humanos elementares. Um exemplo ilustra a situação: no triângulo São Gabriel da Cachoeira – Santa Isabel – Barcelos no Rio Negro, uma área equivalente ao estado de Sergipe, há apenas dois defensores públicos no sistema judiciário. A arbitrariedade na defesa dos direitos tolhe o exercício da cidadania.  

A ausência de dados públicos confiáveis, na maioria dos estados da região, a respeito de violências, crimes e violações de direitos humanos (como mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022) dificultam a elaboração de políticas de segurança pública e justiça, adequadas às diferentes realidades sociais amazônicas.

  • 13 – Um penúltimo ponto, de dimensões continentais, se refere à integração das políticas para a Amazônia no quadro dos acordos de cooperação científica e ambiental com os países da América do Sul. A Amazônia climática, política e biodiversa se estende, do Caribe à Patagonia (como os Andes), do Pacífico ao Atlântico. A soberana defesa e proteção dos ecossistemas, políticos, naturais e sociais, a exploração sustentável das riquezas minerais e ambientais, a compreensão das influências climáticas (p.e. El niño), depende em boa parte do sucesso da integração social, econômica, científica e educacional que queremos e devemos promover.
  • 14 – A complexa articulação necessária para cultivar as propostas interministeriais e semear as diretrizes apresentadas, exige incluir a Amazônia entre as grandes questões Nacionais.  Uma Secretaria Especial para a Amazônia poderia cumprir essa missão. O Governo e o Congresso sinalizariam que a Amazônia não ocupa apenas um posto de destaque na política climática e socioambiental internacional, mas a considera uma das grandes questões ainda inconclusas na construção da Nação. 

Fontes para o financiamento dos programas podem ser encontradas nos Fundos e Fundações, recursos que se somam aos investimentos realizados pela União e Estados em salários e custeio das mencionadas Universidades, IES e Institutos de pesquisa federais e estaduais (estimados em mais de dez bilhões de Reais por ano).

Alguns exemplos de recursos a explorar “antes que tarde”: 

Fundos existentes nas Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais, no Fundo Amazônia, no Fust (para a internet), no BNDES ou na Sudam e na Suframa ( Superintendência da Zona Franca de Manaus).

Como exemplo de recursos a desvendar e explorar mencionamos que na Suframa, aproximadamente dois bilhões de Reais são destinados anualmente à P&D pela Lei -8248 de 1991. Recursos que devem ser investidos nesta área pelas empresas beneficiadas com os incentivos  oferecidos pela Zona Franca.


1Os autores vêm discutindo essas questões em um grupo de trabalho do NAPP CT&I da Fundação Perseu Abramo em agosto de 2022. O documento não representa a opinião da Fundação Perseu Abramo.

2 – Em interação com os conhecimentos dos povos tradicionais devemos formar e fixar na Amazônia, um grande número de pesquisadores e técnicos, botânicos, zoólogos, arqueólogos, micólogos, climatólogos, químicos, bioquímicos, linguistas etc. para ampliar o conhecimento sobre a região e favorecer a possibilidade de aproveitamento inteligente e sustentável dos recursos naturais.

3elaborado por Alfredo Wagner – Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, com a colaboração da Tatiana Deane Sá, Embrapa.

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