O que você procura?
Revista
Autores
Categorias
Subcategorias
Tags

Engordamento de praias entrou na moda, mas critérios técnicos precisam ser seguidos

Praia de Meaípe, em Guarapari (ES)
Engordamento de praias entrou na moda, mas critérios técnicos precisam ser seguidos
Neoindustrialização do Brasil

Prefeituras vêm cada vez mais adotando a solução contra sumiço de faixas de areia, mas precisam avaliar impactos e buscar durabilidade dos projetos

Por motivos diversos, as prefeituras de municípios brasileiros banhados pelo mar vêm optando por projetos de alargamento das faixas de areia, principalmente em áreas urbanizadas. Normalmente, essas medidas são tomadas para se reparar erosões causadas por fenômenos naturais ou por intervenções invasivas na orla. Mas há também casos em que o chamado engordamento vem da necessidade de se ampliar o espaço disponível para o banho de sol, prejudicado pela altura dos prédios próximos à orla. O fato é que essas obras estão ficando cada vez mais frequentes e tendem a ser mais comuns com a elevação do nível do mar. Paralelamente, também cresce a preocupação com a qualidade técnica desses trabalhos e os possíveis impactos que podem causar.

Um dos projetos mais polêmicos nos últimos tempos de alargamento de faixa de areia ocorreu no município de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Em 2021, a largura da praia central foi prolongada de uma média de 25 m para 70 m. Os banhistas passaram a andar mais até pisarem no mar, mas o objetivo foi permitir o banho de sol, pois a altura dos arranha-céus da orla causava sombra. Nem todo mundo gostou e com a movimentação das ondas, surgem às vezes degraus altos na areia.

Mas na maioria dos casos, as prefeituras precisam tomar essas medidas até por questão de urgência e segurança. O avanço do mar sem a proteção da faixa de areia pode destruir calçadas, pistas de rolamento ou até imóveis. Segundo um levantamento do jornal Folha de S. Paulo, nos últimos seis anos foram realizadas no país 24 intervenções de grande porte, movimentando uma quantidade de areia equivalente a 12 estádios do Maracanã. O número tende a aumentar em vista de outros projetos que vêm sendo anunciados.

De acordo com um levantamento feito pelo geógrafo marinho e professor da UFF Eduardo Bulhões, com base em cruzamento de dados do instituto holandês Deltares e do IBGE, dos 279 municípios brasileiros defrontantes com o mar, 87% deles possuem algum segmento litorâneo em erosão. Nem todos são casos extremos, mas o percentual indica que mais cedo ou mais tarde os que sofrem com o problema terão que tomar alguma medida de adaptação.

Engordamento de praias entrou na moda, mas critérios técnicos precisam ser seguidos engordamento de praias entrou na moda mas criterios tecnicos precisam ser seguidos engordamento de praias entrou na moda mas criterios tecnicos precisam ser seguidos 1
Obras de ampliação da faixa de areia da Praia de Camburi, no Espírito Santo. Crédito: Diego Alves/Prefeitura de Vitória

Bulhões explica que muitas vezes os projetos são criticados porque não alcançam um resultado permanente, como se fosse possível manter em condições artificiais uma nova extensão da faixa de areia intocável. A própria energia das ondas inevitavelmente tende a manter recuos e avanços e eventualmente o poder público teria que fazer a manutenção com reposição em caso de nova perda mais permanente.

A justificativa para tanto investimento envolve a necessidade de lazer da população, a preservação da urbanização já realizada na orla e, também, os dividendos trazidos pelo turismo. Mas os resultados estéticos na paisagem são também relevantes. Se não recuperarem a faixa de areia, as outras alternativas de obras tendem a ter impacto visual muito negativo. Afinal, ninguém espera ver um muro de concreto em frente à praia.

Mas, apesar dos benefícios desses engordamentos, efeitos negativos podem ocorrer. Segundo Bulhões, esses projetos eventualmente podem causar maior turbidez da água, modificação da morfologia da praia, a alteração da composição química e granulométrica dos materiais, além de alterações que impactam a vida marinha. Diferentes granulações de areia também modificam a formação das ondas, o que pode ser danoso em locais onde há prática de surfe, por exemplo. Há de se ressaltar também o risco de alargamentos atraírem mais ocupações desordenadas da orla.

Para o professor, é inevitável que o aquecimento global e a consequente elevação do nível dos mares estimulem ainda mais a necessidade de realização desses projetos de alargamento. Ele defende, entretanto, um plano nacional para se enfrentar o problema.

“Diante do cenário apresentado e diante do fenômeno de estrangulamento das praias sobretudo em áreas urbanizadas, serão necessários um volume cada vez maior de investimentos em soluções para o controle da erosão costeira. Em 2023, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.714 que altera o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro para incluir o controle da erosão marítima e fluvial. Não há ainda detalhamento sobre isso, mas é premente que algum tipo de normativa ou estratégia nacional para projetos de proteção costeira seja adotado no país”, afirma Bulhões.

O avanço no número de intervenções nas praias exige mesmo maior debate e planejamento sobre esses projetos. A inclinação da areia, a acessibilidade à calçada, a recomposição de dunas e até a instalação ou não de molhes protetores como forma de maior garantia de permanência da faixa devem ser discutidos com a participação da sociedade. Rodrigo Amado, professor de Engenharia da UFF, explica que a recomposição da faixa de areia, que envolve a aplicação de recursos públicos, também precisa levar em conta a durabilidade da intervenção.

Engordamento de praias entrou na moda, mas critérios técnicos precisam ser seguidos engordamento de praias entrou na moda mas criterios tecnicos precisam ser seguidos engordamento de praias entrou na moda mas criterios tecnicos precisam ser seguidos 2
Degrau se formou em praia central de Balneário Camboriú. Crédito: Reprodução NSC TV

Projetos que, por exemplo, não utilizam a quantidade adequada de grãos podem se tornar inúteis em pouco tempo. A possibilidade de deslocamento da areia posteriormente para praias vizinhas também é um fator a ser analisado para se evitar a necessidade de refazer o engordamento. Nesses casos, ele aconselha a instalação espigões (molhes), como os que foram colocados em praia de Guarapari, no Espírito Santo, onde o mar chegou a colapsar a pista de uma rodovia à beira do mar e hoje há não só a proteção da pista como uma extensa faixa de areia para os banhistas.

“Normalmente, a engenharia propõe obras em praiais que receberam benfeitorias. Intervenções de proteção costeira estão associadas a locais em que ocorreram intervenções como quiosques, calçadão, pista de rolamento onde não deveriam estar. Elas se fazem necessárias para se corrigir esses erros na ocupação”, explica Amado.

Professor de Geologia da UFRJ e pesquisador do Laboratório de Geologia Costeira, Sedimentologia e Meio Ambiente do Museu Nacional, o geólogo João Wagner Alencar Castro considera que reconstituições de praias serão cada vez mais necessárias, tendo em vista as mudanças climáticas em curso. A recomposição de uma praia submetida a erosão costeira envolve estudos sobre a locação da jazida de areia, estudos do clima de ondas, perfil de praia, transporte de sedimentos litorâneo, volume de material etc., sendo, portanto, uma tarefa difícil. As estruturas de engenharia costeira tais como espigões, quebra-mares e molhes se justificam em último caso, principalmente em praias retilíneas muito urbanizadas submetidas a forte erosão.

No entanto, ele também reconhece que inevitavelmente o engordamento artificial de praias causa efeitos no padrão de arrebentação das ondas, provocando perigos aos banhistas em algumas situações. Segundo Castro, é também inevitável que haja manutenção da morfologia da praia por parte do poder público sempre que o mar voltar a avançar. A recomposição com areia mais grossa permitirá que o perfil da praia se torne mais íngreme, favorecendo menor propagação das ondas. No caso, por exemplo, da Zona Sul do Rio de Janeiro, as praias são de enseadas, limitadas por pontas rochosas nas extremidades. Essas condições são mais adequadas para um projeto de engordamento artificial de praia, onde há uma proteção natural exercida pelas rochas nas extremidades, o que não acontece em orlas mais retilíneas, como é o caso da Barra da Tijuca. Essa “vantagem geológica” não impede que engordamento tenha que ser refeito com o tempo. Segmentos de praia que foram submetidos a engordamento como a praia do Leblon e as imediações do Posto 6, em Copacabana, vêm sofrendo erosão devido a ação de ondas de tempestade sobre o calçadão. 

“Todo projeto de engordamento artificial de praia passa necessariamente por uma leitura geológica–sedimentológica que envolve pesquisa de jazidas de areia em área submarina ou canais fluviais, a retirada desse material e sua análise em laboratório para se determinar as melhores condições para recomposição da faixa de praia em erosão. Um exemplo é a escolha de uma areia mais grossa, que responde aos agentes oceanográficos de forma melhor do que a areia mais fina. É uma tarefa para geólogos costeiros e engenheiros costeiros trabalharem conjuntamente”, explicou o pesquisador.

O grupo de pesquisa do professor Joao Wagner Castro vem publicando diversos artigos em revistas cientificas internacionais e trocando informações com instituições de diversos países. O problema do aumento do nível relativo do mar local ou global, está nas projeções do painel da ONU para mudanças climáticas (IPCC). As avaliações realizadas no Sudeste do Brasil e no território fluminense ajudam nas análises em outras partes do mundo, principalmente no hemisfério sul. O professor, entretanto, não endossa teses alarmistas e adota como critério a projeção de elevação do nível relativo do mar de no máximo 4 mm por ano, o que permite mitigações com ações de engordamento ou recuo de avenidas em áreas menos povoadas. Desalojamentos seriam alternativas em pontos mais isolados da orla costeira.

“Provavelmente estamos passando novamente por uma oscilação de alta frequência, ou seja, existe uma possiblidade de que o nível relativo do mar esteja subindo. Há 5 mil anos o NRM encontrava-se a 3 m acima do nível atual. Adotamos a visão mais otimista do IPCC, mesmo assim, não é para alarmismos. Grande parte da costa Brasileira é afetada pela erosão costeira devido às condições geológicas desfavoráveis, bem como à ação antrópica que potencializa os processos erosivos através da infraestrutura urbana sobre a linha de praia. Essas questões precisam sair do discurso para a adoção de metidas de mitigação, ressalta Castro, que defende uma política nacional de prevenção à erosão costeira”, diz Castro.

Print Friendly, PDF & Email

Fale Conosco

Print Friendly, PDF & Email
Enviar Carta
Inscrição