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Desorientação do poder público favorece abandono de embarcações na Baía de Guanabara

Desorientação do poder público favorece abandono de embarcações na Baía de Guanabara
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Colisão de navio com a Ponte Rio-Niterói foi o ápice de décadas de falta de cooperação entre os órgãos responsáveis pela fiscalização

A colisão de um navio cargueiro contra a Ponte Rio-Niterói, na noite do último dia 14 de novembro, teve como saldo três horas de interrupção no tráfego entre as duas cidades. Além do susto causado e dos transtornos à população na volta do trabalho, o acidente deixou até sensação de alívio diante do desastre que poderia ter ocorrido. Chamou também atenção para o problema do acúmulo de embarcações fundeadas e abandonadas na Baía de Guanabara, negligenciado pelas autoridades. Por falta de monitoramento e fiscalização, até o número exato é desconhecido, o que agrava os riscos ambientais, de segurança pública e até a estabilidade da estrutura de uma das principais rodovias do país.

O São Luiz, navio que colidiu com a ponte, estava ancorado na baía há seis anos e ficou à deriva devido à ventania. As más condições do tempo fizeram com que uma embarcação pesando cerca de 165 mil toneladas se soltasse, colocando em risco vidas humanas. Os prejuízos poderiam ter sido muito maiores tanto para a ponte quanto para o meio ambiente, por conta de um eventual vazamento das 50 toneladas de óleo no seu interior.

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Baía de Guanabara tem navios fundeados inativos. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Assim como essa, outras dezenas de embarcações estão abandonadas na Baía de Guanabara, que virou um “cemitério de navios”. O último levantamento feito em toda a área foi há 20 anos e contabilizou cerca de 200 unidades fundeadas sem estarem ativas. Sem controle, elas prejudicam a navegação, a circulação da água, a atividade pesqueira e até o funcionamento de estaleiros e o tráfego de navios.

Para o chefe da Divisão Técnica de Recursos Naturais Renováveis (DRNR) do Clube de Engenharia, Ibá dos Santos Silva, a retirada das embarcações deveria ser uma prioridade, pois o abandono vem causando sérios danos à vida marinha.

São embarcações que causam poluição, degradação e prejudicam a biodiversidade na região. Esse problema afeta diretamente os pescadores, que dependem dessa atividade para sobreviver. São obstáculos à circulação de água e prejudicam a vida dos peixes”, afirma Ibá.

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Embarcações paradas causam danos ambientais. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O problema é denunciado há décadas pelo Movimento Baía Viva. O cofundador da ONG, Sérgio Ricardo Potiguara, ressalta que muitos desses barcos possuem casco de madeira, o que facilita o vazamento de óleo e combustível para o mar. A contaminação, inclusive com metais pesados, aumenta o risco de extinção de espécies marinhas e também pode afetar a saúde da população. 

O assoreamento causado pelo acúmulo de embarcações prejudica, segundo ele, até o funcionamento de estaleiros e seria um dos motivos para até hoje não ter sido inaugurado o tão esperado Terminal Pesqueiro Público de Niterói, construído em 2013 pelo Governo Federal por R$ 10 milhões. O investimento deveria ter gerado até 20 mil empregos, mas será necessária a retirada de barcos e a dragagem do Canal de São Lourenço para que a estrutura possa funcionar.

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Embarcações abandonadas prejudicam economia de Niterói. Crédito: PDPA/UFF

Há uma omissão e negligência generalizadas. Há anos não é realizada uma fiscalização coletiva na Baía de Guanabara. Falta cooperação entre órgãos competentes para uma avaliação se as embarcações estão na localização adequada. É preciso verificar se o casco delas está seguro, se há condições de trabalho adequadas, entre outras questões”, critica Potiguar.

Apesar de tanto descaso, há pelo menos uma boa notícia com relação aos cuidados com a Baía de Guanabara. O projeto de Descomissionamento de Embarcações, realizado através de parceria entre a Universidade Federal Fluminense (UFF), Prefeitura de Niterói e Fundação Euclides da Cunha, por meio do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA), pesquisa soluções para o problema pelo menos no setor leste da região. O professor Newton Narciso Pereira, que coordena o trabalho, conta que já foram feitos dois levantamentos de campo para se averiguar quantidade, localização e condições de embarcações abandonadas até a altura da Ilha de Paquetá. Enquanto em 2021 foram contabilizadas 61 delas, em 2022 a lista chegou a 58.

A previsão é que o estudo seja concluído ainda neste semestre. Além de propor soluções técnicas para a retirada e o aproveitamento do material como reciclagem, por exemplo, a pesquisa também traçará um panorama de como o problema é enfrentado por diferentes países. 

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Embarcações abandonadas na Baía de Guanabara. Crédito: Tânia Rêgo / Agência Brasil.

Países como a Turquia, Índia e Paquistão têm uma indústria de reciclagem de embarcações e o material retirado tem aproveitamento econômico, mas custa caro o transporte até eles e fica inviável no caso de barcos menores. O ideal é o poder público fazer parcerias com estaleiros locais para a desmontagem dos barcos, retirando as peças e separando o material poluente. Mesmo que a operação não seja lucrativa, haverá diversos ganhos sociais, ambientais e econômicos”, afirma o pesquisador.

O Comando do 1º Distrito Naval da Marinha informou que em 2012 foi realizado um estudo para desobstruir a região entre o entorno da Ilha da Conceição, em Niterói, até a altura do Gradim, em São Gonçalo. Na ocasião, foram identificadas 49 embarcações sujeitas à retirada. O procedimento foi, entretanto, interrompido a pedido da então Secretaria de Estado do Ambiente, que teria solicitado a incumbência, mas o processo de leilão dos equipamentos marítimos não foi levado a cabo. Em 2018, novo estudo constatou a presença de 78 embarcações abandonadas

Na nota, a Marinha informa que se reuniu com representantes do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em duas ocasiões ao longo de 2022 para tratar do tema. “Nas reuniões foi solicitado, pela Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, que fosse confirmado o encerramento legal de qualquer fator impeditivo proveniente do processo de leilão instaurado em 2012, com a finalidade de se iniciar novo processo de perdimento dos cascos abandonados, vez que a empresa ganhadora em 2012 não cumpriu o previsto nas regras do leilão. Ao final da última reunião, definiu-se que também será realizado novo mapeamento, com o apoio da CPRJ, para atualizar a situação dos cascos, e se existem novos cascos a serem contabilizados”, afirmou o 1º Distrito Naval.

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Embarcações abandonadas na Baía de Guanabara. Crédito: PDPA/UFF.

O Inea informou que atua “quando acionado pela Marinha do Brasil ou quando há registro formal para checar risco de acidente ambiental envolvendo uma embarcação na Baía de Guanabara. A partir disso, o Inea monitora, em parceria com a Capitania dos Portos, regularmente, a Baía de Guanabara, por meio do Programa Olho no Mar. O objetivo é identificar e investigar o lançamento de substâncias nocivas no espelho d’água, que podem resultar em dano ambiental”. Segundo o órgão ambiental do estado do Rio, está sendo criado um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais para estudar ações para solucionar o problema. 

Já o Ibama não respondeu ao pedido de resposta do Clube. Sérgio Ricardo Potiguar lamenta a falta de cooperação entre os órgãos do poder público. “Parece haver um jogo de empurra e uma irresponsabilidade generalizada com um problema tão grave”, afirma o ambientalista.

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