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Divisão entre agraristas e industrialistas ainda emperra o desenvolvimento

Divisão entre agraristas e industrialistas ainda emperra o desenvolvimento
Neoindustrialização do Brasil

Em entrevista, economista Darc Costa explica dicotomia histórica que atravanca o crescimento

Apesar das comprovadas vantagens que o processo de industrialização traz para a economia dos países, no Brasil ainda há quem acredite numa suposta vocação agrícola do país que o forçaria a se concentrar no setor primário. São falácias que caem por terra quando se dá voz a intelectuais, que graças a uma visão mais ampla, conseguem demonstrar as perdas causada pela adoção de uma estratégia voltada para fazer do território nacional um celeiro do mundo, enquanto os países mais desenvolvidos lucram com a fabricação de produtos de maior base tecnológica. Contra essa corrente atrasada, luta o economista Darc Costa, que recentemente foi ouvido pelo programa Tecendo o Amanhã, no YouTube.

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Roberto Simonsen. Crédito: Creative Commons

O economista, que já foi vice-presidente do BNDES, traça uma linha do tempo em que essa dicotomia entre a vocação agrária e a industrial polarizou os debates políticos no país, a partir do século XIX, com a balança ora pendendo para um lado ora para o outro. A Revolução de 1930 parecia ter até encerrado o debate, com a vitória das forças mais progressistas, mas já nos anos 1950 o confronto entre as ideias do industrial Roberto Simonsen e o economista Eugênio Gudin ainda gerou muita controvérsia. 

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Eugênio Gudin. Crédito: Creative Commons

O processo de industrialização continuou em altos e baixos, mas a partir de meados da década de 1970, a capacidade de indução do Estado ao desenvolvimento nunca mais foi a mesma devido à necessidade de controle da inflação, do alto endividamento e da elevada taxa de juros. O estopim daquela crise foi a alta do preço do petróleo, mas o que mais atingiu a economia do país foi o alto montante da dívida externa, que ficou sujeita a taxas bastante elevadas.

“O Brasil, que tinha pego recursos fora, em dólar flutuando, foi atingido pela elevação da taxa de juros a um absurdo de 27%. O Brasil foi engolfado por uma dívida externa e deveria ter feito uma moratória, mas como nossas elites não são capazes de enfrentar os problemas, elas cederam  e o Brasil teve que renegociar a dívida em condições desvantajosas, como fez na década de 90. Isso levou ao processo de desindustrialização, daquilo que tinha sido criado na Era Vargas, mediante processo de privatização, da venda de empresas para multinacionais e chegamos ao estágio em que estamos hoje. Enquanto antes tínhamos uma produção industrial que era de 30% do PIB, hoje não chega a 11%”, afirmou o economista, em referência à Era Fernando Henrique Cardoso.

São fatores que até hoje limitam a capacidade de investimento do país. Mas na visão de Darc, essas dificuldades poderiam ser superadas se não fosse tão forte o dogma dos componentes do tripé macroeconômico (superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação).  

“Um país não é igual à economia doméstica, quando só se gasta o que se arrecada. Todos os países que se desenvolveram partiram da premissa de que é preciso gastar a mais para fazer a economia girar. O investimento público precede à poupança, como Keynes preconizou”, sintetizou Darc, citando o célebre economista inglês John Maynard Keynes, cujas ideias ajudaram o mundo a sair da crise pós-1929.

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Revolução de 1930. Crédito: Creative Commons

Nesse contexto de pressão principalmente do mercado financeiro por total austeridade por parte do governo federal, o presidente Lula tenta implantar o PAC 3, com meta de investimentos de R$ 1,7 trilhão e um plano de ação para a retomada da indústria, batizado de “Nova Indústria Brasil”, calcado no conceito de missões. São metas que receberam o elogio do economista, mas que segundo ele poderiam até ser mais ousadas.

O ex-vice-presidente do BNDES preconiza um modelo de industrialização com foco não só na inovação tecnológica, na descarbonização e na elevação do percentual de insumos nacionais para os diversos setores. Sua filosofia também se calca no fortalecimento do mercado interno, com maior poder de compra para os trabalhadores. São conceitos que ainda esbarram em obstáculos políticos, que ele próprio reconhece, o que não impede que seus argumentos sejam levados em conta. Afinal, foi o pilar do mercado de consumo interno que levou as maiores potências mundiais ao patamar em que estão hoje.

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Indústria 4.0. Crédito: Pixabay

“Há um plano desenvolvimentista inserido numa estrutura macroeconômica que combate o desenvolvimento. Se continuarmos com essa política, vamos continuar enxugando gelo ou estocando fumaça. Temos que superar esse paradoxo”, ressalta Darc.

Darc também combate a ideologia neoliberal no que diz respeito ao comércio internacional. Ele argumenta que até grandes potências como os Estados Unidos tomam medidas protecionistas com relação a alguns setores e que o Brasil deveria fazer o mesmo. 

“Por que promover uma nova industrialização? Porque na indústria as inovações se processam de forma muito mais rápida do que as inovações que se processam no setor agrícola e mineral, que são setores de inovação lenta. É a mola da acumulação, porque as empresas saem da competição regular para uma situação privilegiada e monopolista, receita marginal totalmente descolada do custo marginal, o que alavanca a taxa de lucro”, explica o economista.

A superação dessa dicotomia entre o agrário e o industrial beneficiaria não só o desenvolvimento do Brasil, como, segundo Darc, seria benéfica também para o agronegócio. Como bem destacou o economista, a dependência dessa atividade da importação de insumos é extremamente prejudicial e gera riscos para esse segmento. A união do país em torno da causa da nova industrialização pode ser, portanto, um acontecimento não tão improvável, desde que haja uma mudança de visão das elites e da sociedade.

Assista aqui à entrevista:

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