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Estudo que propunha modernização do Sistema Nacional de Defesa Civil foi abandonado

Petrópolis
Estudo que propunha modernização do Sistema Nacional de Defesa Civil foi abandonado
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Grupo de Trabalho preparou há mais de dez anos proposta de prevenção contra tragédias naturais, fatos lamentáveis repetidos a cada verão, mas relatório foi engavetado

Neste verão, o Brasil assiste mais uma vez a desastres causados pelas tempestades. Pelas condições climáticas do país, é nessa época do ano que as chuvas são mais intensas e provocam deslizamentos e inundações. O problema é antigo e bastante conhecido, bem como a falta de uma política nacional que atue no sentido preventivo, evitando mortes, prejuízos materiais e as ações emergenciais de costume. O que muitos não sabem, no entanto, é que especialistas vêm apresentando propostas concretas para a solução desse quadro, que são negligenciadas pelas autoridades.

O local das tragédias pode variar. Minas Gerais foi o estado que mais sofreu este ano. Mas em 2022, os desastres foram gravíssimos também no interior da Bahia e, sobretudo, em Petrópolis, na Região Serrana Fluminense. Na mesma região, em 2011, o país se comoveu com a tragédia das chuvas, que causou o número recorde de quase mil vítimas. A ocasião motivou grupo de especialistas a elaborar um plano gratuitamente para o Governo Federal. A história desse projeto lamentavelmente é o de outros no país que acabam engavetados por falta de vontade política. 

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Deslizamento de encosta após chuvas em Pernambuco. Crédito: TV Brasil

Em 2011, o então Ministério de Integração Nacional convidou especialistas para traçarem um plano de prevenção contra eventos climáticos adversos. Grande parte das medidas propostas pelo Grupo de Trabalho sequer necessitava de investimentos, outras de fato esbarravam na realização de investimentos ou na realocação de pessoas. Mas na prática o projeto não saiu do papel e ações tímidas acabaram até retroagindo.

Um dos poucos reflexos do trabalho apresentado ao governo foi a criação de um órgão capaz de monitorar permanentemente os fenômenos, concretizado no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Para o funcionamento desse sistema, são necessárias estações espalhadas pelo território para o acompanhamento em tempo real das chuvas, mas parte das chamadas Estações Totais Robotizadas (ETRs) está desligada desde 2018 por falta de manutenção. 

Para o conselheiro do Clube de Engenharia e relator do projeto entregue ao Governo, José Luiz Alqueres, mais do que mitigar os efeitos dos fenômenos naturais, o país deveria adotar medidas preventivas. A ideia é que se substitua a lógica das estratégias de “defesa civil”, que se caracterizam por ações mais reativas após as ocorrências, por um planejamento e ação com o objetivo de dar mais segurança às populações.

Com exceção de um Centro de Monitoramento criado e depois desativado, nada se fez. Nada progrediu, nenhuma Política Pública foi impulsionada e pelo que se informa, verbas não têm sido sequer comprometidas”, lamenta Alqueres.

O trabalho foi coordenado por José Machado, que chegou a presidir a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), e entre os membros o engenheiro Jerson Kelman, também  ex-presidente do órgão. Marcos Tulio de Melo, Joaquim Falcão, Carlos Nobre e José Magalhães de Sousa também fizeram parte do grupo.

A partir da apresentação de um novo paradigma de enfrentamento contra esses desastres, o GT propôs o aperfeiçoamento do sistema de alerta e comunicação de forma que respostas rápidas pudessem ser dadas e ações mais coordenadas fossem disparadas em caso de chuvas. A ideia seria prever com o máximo de precisão os fenômenos e poder alertar os moradores de áreas de risco com maior antecedência possível e de forma bastante dirigida, utilizando inclusive redes sociais para isso. A mobilização de equipes de atendimento e até voluntários previamente cadastrados também passaria a ser feita de forma coordenada e planejada. O socorro a essas ocorrências passaria a envolver as três esferas de governo e até as Forças Armadas.

Outra proposta do GT diz respeito à mudança na atual política de gestão das bacias hidrográficas. O relatório propõe a criação de uma Autoridade Regional, responsável pelo monitoramento e conservação de toda a região compreendida por cada conjunto de rios, estendendo-se por diversos municípios. Esse órgão executivo teria autonomia para tomar as medidas necessárias para dar mais segurança à população e evitar a degradação ambiental, numa modelo transfederativo, como já é visto no exterior.

Outra importante contribuição do relatório é a proposta de criação de uma lei instituindo a Responsabilidade Política e Social, a fim de punir eventuais omissões ou ações indevidas de administradores públicos. As medidas seriam tomadas em casos de ações que exponham a população a risco. 

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Deslizamento no Morro da Oficina, em Petrópolis. Crédito: Agência Brasil

Como praticamente nada se avançou no país com relação a medidas preventivas, ainda assistimos às mesmas tragédias a cada ano. Em Petrópolis, em fevereiro de 2022, houve a demonstração clara de como até a disputa política e as ações desencontradas entre as autoridades acabam prejudicando ainda mais a população. A Cidade Imperial é atualmente um laboratório do que não se deve fazer em termos de prevenção contra desastres naturais, tendo em vista que cerca de 15 mil habitações da cidade estão em áreas de risco

Essa situação é comum também em diversas localidades do país e o enfrentamento do problema requer investimentos. No entanto, a falta de medidas concretas também acarreta uma série de prejuízos materiais, além da perda de vidas. As enchentes destroem pontes, rodovias, interrompem o comércio e o turismo. Além de evitar esses danos, o GT estimou em US$ 12,5 bilhões o potencial de ganhos com a correta gestão das bacias hidrográficas e seu aproveitamento hidroelétrico. 

A consequência natural desse enfoque é passarmos a estudar bem mais onde nos instalamos — levando em conta todo  possível  quadro  de  ocorrências naturais a que poderemos estar sujeitos — em vez de nos estabelecermos talvez muito sofregamente onde possível (ou deixarmos nossos semelhantes menos favorecidos o fazerem) e depois pagarmos preços elevadíssimos ou fazermos o Estado incorrer em custos absurdos para nos proteger contra as nossas próprias decisões. Essa é a essência das boas políticas de gestão territorial, tanto das áreas urbanas quanto das áreas rurais”, diz o relatório do Grupo de Trabalho.

A substituição de uma atuação menos reativa e mais preventiva é a tônica de outro projeto também formulado e entregue ao poder público há muito tempo. O ex-presidente do Clube de Engenharia e atual presidente da Academia Nacional de Engenharia (ANE), Francis Bogossian, vem alertando há mais de dez anos sobre a necessidade de o país instituir uma política nacional de prevenção e mitigação de catástrofes naturais. Desde 2010, quando Angra dos Reis (RJ) teve um réveillon trágico em virtude dos deslizamentos, que a proposta é reiterada às autoridades e à sociedade. Seu projeto se baseia no princípio lógico de que é melhor investir em medidas que evitem os estragos do que agir depois dos efeitos das chuvas. 

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Tempestade causa inundação na Bahia. Crédito: Divulgação/Corpo de Bombeiros de Paulo Afonso

A ideia de se criar o Departamento Nacional de Prevenção e Mitigação e Catástrofes iria ao encontro de uma política planejada de combate de proteção à população e supriria deficiências dos estados e municípios em termos de estrutura e orçamento. A União, com maior capacidade, concentraria os esforços no sentido de financiar estudos preventivos e realização de obras. 

Não é à toa que a sabedoria popular afirma que é melhor prevenir do que remediar. Temos no Brasil toda a capacidade técnica para enfrentar esses problemas, que não precisam de soluções vindas do exterior. No entanto, os municípios são carentes tanto de recursos quanto de pessoal especializado e por isso defendo a criação desse departamento nacional”, ressalta Bogossian.

Os estragos causados pelas chuvas exigem grande volume de dispêndios com obras de reparação de estradas, pontes, com a remoção de vítimas e na contenção de encostas. Com o trabalho preventivo, o valor que o poder público gastaria seria entre 2% a 10% do que sai dos cofres públicos após essas emergências. Bastaria ser priorizado o trabalho de monitoramento, estabilização geotécnica dos terrenos e construção de sistemas de drenagem. Essa política preventiva não traria apenas economia para o país, como salvaria vidas, cujo valor é inestimável.

Se o Brasil tivesse seguido a recomendação dos especialistas e investisse mais numa ocupação ordenada do território e em infraestrutura de contenção e drenagem, as consequências das chuvas seriam menos drásticas. Em vez de enterrar os mortos a cada verão, o país estaria preservando vidas.

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