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Geo-Rio acumula feitos na prevenção contra deslizamentos 

Geo-Rio acumula feitos na prevenção contra deslizamentos 
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro, criado há quase 60 anos, carece de pessoal para manter os avanços na contenção de encostas

Na década de 1960, o Rio de Janeiro foi abalado por tragédias em virtude das fortes chuvas que desabaram sobre a cidade. Tanto em 1966 quanto em 1967, enchentes e deslizamentos causaram ao todo mais de 300 de mortes, apenas na Região Metropolitana. Com sua topografia acidentada e a ocupação desordenada dos morros, o território carioca viveu na época o ápice de sua fragilidade em relação aos deslizamentos de encostas. Esse quadro começou a mudar com a criação na época do antigo Instituto de Geotécnica, atual Fundação Geo-Rio. Mas, apesar de seus grandes feitos, há preocupação com relação à atual falta de pessoal no órgão, que precisa de novos concursos para manter os avanços. 

O órgão foi criado pelo então governador do Estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, que precisava dar uma resposta à calamidade vivida pelos cariocas de 1966. O órgão mal tinha se estruturado, quando no verão do ano seguinte novamente a cidade ficou atônita diante de um temporal. Em fevereiro de 67, uma pedra rolou do alto de um morro em Laranjeiras derrubando dois prédios e uma casa, nas ruas Belisário Távora e Cristóvão Barcelos. Cerca de 120 pessoas morreram só nesse desastre, sem contar as vítimas de outros deslizamentos. Era preciso dar um basta nessa vulnerabilidade e agir rápido.

Nos dois primeiros anos, foram realizadas 200 obras de contenção, graças em grande parte ao empenho dos engenheiros, geólogos e demais técnicos contratados. Outros 165 projetos foram iniciados só em 1968. Foram desbravadores que precisaram usar de muita criatividade e ousadia para fincar concreto em locais de risco de deslizamento. Inicialmente, foi utilizado conhecimento técnico já consolidado para barragens na construção de muros de contenção, mas os desafios técnicos para a realização das obras nas condições do Rio obrigaram os funcionários a desenvolverem uma expertise própria. Não é à toa que o órgão virou uma referência nacional e até internacional nesse tipo de projeto.

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Obra de contenção na Estrada do Sumaré. Crédito: Geo-Rio

Um exemplo do exímio trabalho desempenhado por técnicos e operários foi a proteção de uma fenda no Morro do Cantagalo, próximo ao Corte, trabalho que durou dois anos. Havia o risco de parte da rocha se soltar e atingir prédios residenciais na Lagoa, mas a construção dos pilares vistos até hoje em local tão íngreme e de difícil acesso exigiu empenho e criatividade. O material de construção teve que ser transportado de teleférico e os operários se arriscavam subindo uma escada para chegar ao local da obra. Foi necessário também o acompanhamento de um mutirão de especialistas para que a iniciativa desse certo. Na época, havia até um helicóptero à disposição das equipes.

Quem passeia pelo Rio vê pilares como o do Cantagalo em diversos morros, que evidenciam a intervenção humana nas belezas naturais da cidade. Estão inclusive, no Corcovado sob o Cristo Redentor, onde também há uma fratura na rocha que poderia ter causado uma tragédia. Ao longo das décadas, o órgão acumulou um conhecimento extraordinário sobre a problemática das encostas, que acabou sendo até exportado. A expertise foi utilizada, em outros lugares, como Vila Velha, na Região Metropolitana de Vitória (ES), no acesso ao famoso Convento da Penha, principal ponto turístico local.

Ao longo das décadas, o órgão conquistou experiências e aprimoramentos técnicos que contribuíram para a adoção de uma política mais preventiva e menos emergencial. A partir da década de 1980, iniciou-se um mapeamento de risco do território do município, que resultou na elaboração do Mapa de Susceptibilidade à Escorregamentos, em escala 1:25.000. Na década seguinte, quando o órgão passou a se chamar Fundação Geo-Rio, esse tipo de gerenciamento se aperfeiçoou, com maior nível de detalhamento. 

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Trabalho preventivo na Rocinha. Crédito: Geo-Rio

O mapeamento se tornou um dos instrumentos do sistema Alerta Rio, criado em 1996, com o objetivo de dotar a cidade de um monitoramento 24 horas por dia e capacidade de prever as ocorrências de chuva, inclusive com boletins emergenciais. O sistema ganhou cerca de 30 estações pluviométricas e passou a contar com informações de um radar meteorológico. Sirenes alertam moradores de áreas de risco, antes de chuvas intensas, com a intenção de que busquem abrigo seguro.

A partir de 2005, a Geo-Rio passou a trabalhar com o Índice Quantitativo de Risco (IQR) para cada área vistoriada. Com esse método, é possível se calcular não só a grau de periculosidade da instabilidade, como a quantidade de moradores afetados por eventuais deslizamentos. É um instrumento que auxilia em muito na priorização de obras.

Ao longo de seus quase 60 anos de história, a Geo-Rio acumulou conhecimento que se materializou nos valiosos instrumentos de monitoramento, prevenção e mitigação de riscos. Seu patrimônio também é constituído de seu corpo técnico, que acumulou grande experiência nesse campo. Mas todo esse acúmulo de conhecimento pode se perder na medida em que não haja uma correta gestão desse capital humano. A troca de informações entre gerações é fundamental nesse processo, entretanto, o órgão vê seus servidores mais antigos se aposentando sem a devida reposição do quadro. Sem a chamada “troca de bastão”, muito desse patrimônio pode estar se perdendo.

O Tribunal de Contas do Município (TCM) produziu um relatório sobre o órgão que evidencia o esvaziamento que vem sofrendo nos últimos anos. É um estudo que perpassa duas diferentes administrações e faz um retrato do órgão tanto na gestão do ex-prefeito Marcelo Crivella, quanto na atual de Eduardo Paes. Segundo o acompanhamento, a Geo-Rio funciona hoje com 50% do pessoal necessário, em virtude da não realização de concursos e da falta de técnicos até para tocar o orçamento. 

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Proteção contra deslizamentos no Solar da Montanha, em Jacarepaguá. Crédito: Geo-Rio.

Entre 2018 e 2021, sua execução orçamentária caiu de R$ 53 milhões para minguados R$ 34 milhões, segundo o levantamento do TCM. Por isso, há 77 laudos indicando a necessidade de obras em locais onde ao todo mais de 100 mil pessoas estão vivendo em risco, sem as devidas providências. Em grande parte das localidades sequer há o sistema de alarme para que os moradores busquem abrigo em local seguro em situações emergenciais. É um quadro que significa uma reversão em relação aos avanços históricos do órgão.

O Tribunal ressalta que não faltam recursos para a realização de obras, mas sim pessoal para tocar os projetos. Acaba que as intervenções vêm sendo feitas sem planejamento e em grande parte em regime de emergência. Para se ter uma ideia, no último período analisado, em 2021, só 23,9% dos R$ 142 milhões em caixa foram empenhados.

Alguns fatores podem ter contribuído para essa pouca efetividade da Geo-Rio em executar o orçamento estipulado no período. Uma delas pode ser creditada ao número reduzido de profissionais específicos para atuação direta nas obras de proteção de encostas e áreas de risco geotécnico”, afirma trecho do relatório.

Além do perigo gerado para a população, o problema está resultando no encarecimento das obras, pois as concorrências são necessárias para o barateamento dos serviços. 

Verificou-se que mais de 70% dos recursos utilizados para a realização de obras de contenção de encostas, no período de 2018-2021, foram efetivados em caráter emergencial, sem a realização de procedimentos licitatórios. Esse elevado número de obras emergenciais demonstra deficiência de planejamento para execução das intervenções”, alerta outro trecho do estudo do TCM.

Os técnicos do Tribunal também identificaram a falta de uma base mais ampla de mapeamento de risco geológico-geotécnico, que possa dar maior orientação sobre as condições de segurança dos moradores da cidade, sobretudo dos mais carentes. Há, de acordo com o acompanhamento, um passivo de 400 comunidades sem um levantamento. Isso impede o devido conhecimento sobre o perigo de acidentes em virtude das chuvas, como a necessidade de instalação de sirenes, que apesar de paliativas, podem salvar vidas. 

Mesmo fora do período de verão, quando as chuvas são mais fracas, os cariocas não estão livres dos transtornos com deslizamentos. No último dia 22 de novembro, pedras desceram de uma encosta na Estrada de Furnas, no Alto da Boa Vista, interrompendo o trânsito. Um temporal em abril de 2022 provocou 11 deslizamentos na cidade, sendo que um deles fechou o trânsito da Auto-Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Sem contar as constantes intervenções na Avenida Niemeyer provocadas pelos deslizamentos.

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Canaleta da Rocinha

O presidente da Geo-Rio, o engenheiro civil Anderson de Andrade Marins, respondeu aos questionamentos, informando que o órgão “permanece sendo referência em execução de obras de contenção assim como órgão específico para tais atividades”. Segundo ele, há um novo planejamento de obras incluído no Plano Verão 2022/2023, divulgado em novembro pelo prefeito Eduardo Paes.

Ele reconhece a necessidade de ampliação do quadro de servidores, bem como de uma maior abrangência do sistema Alerta Rio e diz que está tomando as medidas necessárias para isso. “Não houve concursos públicos específicos para Fundação nos últimos anos. Os funcionários com tempo de serviço optaram por se aposentar. O setor de Recursos Humanos está levantando as especialidades deficitárias, para solicitação de concurso das funções específicas”, afirmou o atual presidente.

Segundo ele, houve uma certa estabilidade na dotação orçamentária do órgão nos últimos anos, com exceção do período de obras do Novo Elevado do Joá, entregue em 2016. “A Fundação Geo-Rio, desde o início da atual gestão do prefeito Eduardo Paes, recebeu investimentos que ultrapassam R$ 150  milhões para atuar em obras de contenção na cidade. Importante ressaltar, que as mais de 50 obras entregues pela Geo-Rio desde o ano passado já beneficiaram diretamente cerca de 300 mil pessoas. Nunca se investiu tanto em obras de contenção e prevenção”, alega Marins.

A topografia da cidade e as fortes precipitações já são fatos conhecidos há séculos pelos cariocas. O Rio não pode colocar em segundo plano as políticas preventivas, sob o risco de deixar sua população ainda mais vulnerável. 

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