Clube promove debate para esclarecer pontos da proposta apontada como de grande potencial turístico, mas criticada por seu impacto no monumento natural
Deslizar debaixo de uma tirolesa é um esporte da aventura em alta no mundo e a instalação desse tipo de estrutura atrai multidões de turistas em diversos pontos do planeta. Mas um projeto de colocação dessa atração no Rio de Janeiro vem causando grande polêmica. A ideia é estender cabos entre os morros do Pão de Açúcar e da Urca, onde os aventureiros teriam um visual inigualável, mas aspectos legais da preservação do cartão postal e a oposição de associações colocam a proposta na berlinda. Para que o assunto fosse debatido e o projeto esmiuçado, o Clube de Engenharia realizou um debate no fim de junho, com a participação de grupos tanto favoráveis quanto contrários ao projeto e novas atividades devem ser feitas para o esclarecimento da sociedade.
O projeto arquitetônico foi desenvolvido pelo escritório Índio da Costa, a pedido da empresa que administra o serviço do bondinho, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar. O próprio arquiteto esteve presente ao evento, mas foi seu filho Guto que fez a apresentação da proposta da tirolesa, ainda sem ter concluído o plano diretor para todo o parque, com as modificações que serão feitas nas construções no topo dos morros da Urca e Pão de Açúcar. A proposta também é de ampliação do acesso aos visitantes na Praia Vermelha.
Guto fez questão de frisar que a instalação da tirolesa terá impacto visual mínimo de qualquer ponto que seja observada. Os cabos teriam a espessura de 15 milímetros e seu funcionamento não produziria ruído ou poluição do ar. Ele admitiu que houve a retirada com a autorização dos órgãos públicos de 14 árvores, com a condição de plantio de outras 83. Ele também afirmou que será necessária a instalação de uma passarela para os usuários acessarem a rampa da tirolesa que ficaria ao redor das instalações do Pão de Açúcar suspensas sobre a rocha.
“Essas tirolesas estão nesses lugares porque elas têm baixíssimo impacto ambiental. É por isso que estão em áreas preservadas de matas e fantásticos porque têm uma estrutura minimalista”, afirmou o arquiteto, que ilustrou sua apresentação com diversas tirolesas espalhadas pelo mundo.
A arquiteta Paloma Yamagata falou como representante do Movimento Pão de Açúcar sem Tirolesa e SOS Pão de Açúcar. Ela criticou a falta de transparência do projeto e de debate junto à sociedade. Por estar acima da chamada cota 60, o projeto segundo ela seria impensável e a instalação da passarela, mesmo que suspensa, danificaria a rocha, que é tombada. Mas o ponto mais criticado foi o corte da rocha do Pão de Açúcar durante o período inicial da obra. A retirada foi feita antes da apreciação pelos órgãos de fiscalização, que só foram informados do fato depois.
“Ele não poderia extrapolar a área já ocupada pela Caminho Aéreo Pão de Açúcar. Não poderia ter havido o corte em rocha. A gente está falando de 158 metros cúbicos de rocha. É difícil para nós entendermos que o Pão de Açúcar, que é um bem público, esteja sendo tratado como uma propriedade privada”, afirmou a arquiteta.
O representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o biólogo Ricardo Couto explicou que por se tratar de uma unidade de conservação, houve a consulta não só ao órgão como ao seu conselho, sem que houvesse manifestação de oposição. No entanto, não teria sido informado o corte em rocha, mas sim apenas a retirada das árvores, em sua maioria exóticas. Ele também explicou que o licenciamento ambiental no município é realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS).
O diretor de Licenciamento e Fiscalização da GeoRio, Sidney Machado, reconheceu que o corte em rocha ocorreu sem autorização do órgão, que, no entanto, deu seu aval para a intervenção após ser consultado.
Todo o projeto foi duramente criticado pela jurista e professora Sonia Rabello, que classificou o corte em rocha de “mutilação” e apontou “questões graves” no processo de licenciamento tanto por parte da prefeitura quanto do Iphan, que tombou o monumento natural. Segundo ela, o projeto pode trazer consequências negativas internacionais, tendo em vista que o Pão de Açúcar faz parte da paisagem preservada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
“O projeto foi iniciado em setembro de 2022, ou seja, a SMDEI deu uma licença para começar a obra antes mesmo da licença do Iphan. É um descalabro de matéria de processo administrativo”, criticou Sonia Rabello.
Pedro Augusto Guimarães, vice-presidente do Conselho Estadual de Turismo, defendeu o projeto como alternativa de entretenimento e que atrairá mais turistas para o Rio. Segundo ele, apesar da preservação não há empecilhos para que sítios sofram adaptações.
“É natural surgirem dúvidas, mas estão sendo esclarecidas. Vamos fazer o que é possível dentro do razoável que possa valorizar o turismo”, afirmou Guimarães.
O vereador Edison Santos (PT) participou do debate e criticou a falta de diálogo na aprovação do projeto. Já o vereador Pedro Duarte (Novo) defendeu o projeto. O evento também contou com a participação de representantes das associações de moradores da Urca e da Praça Cardeal Arcoverde, que se manifestaram contrários ao projeto.
Em sua réplica, o arquiteto Guto Índio da Costa afirmou que o corte em rocha ocorreu majoritariamente em área que fica dentro de uma sala atualmente desativada e que seu objetivo foi nivelar o piso para permitir a acessibilidade à rampa da tirolesa. Por conta dessa retirada de rocha, a Justiça Federal determinou o embargo da obra. A liminar também suspende os efeitos da licença dada pelo Iphan.
O Clube de Engenharia se colocou à disposição dos interessados para a realização de novo debate para o esclarecimento de pontos que ainda gerem dúvidas e também vai acompanhar eventuais vistorias no local das obras, com o objetivo de auxiliar numa avaliação técnica e sensata para o caso.