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Reestatização da Eletrobras é defendida por especialistas

Reestatização da Eletrobras é defendida por especialistas

Manifestação contra a privatização da Eletrobras. Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Reestatização da Eletrobras é defendida por especialistas
Soberania Energética

Retomada do controle da empresa por parte do Estado tem o objetivo de reforçar a soberania nacional sobre a energia, aumentar a segurança do setor e garantir benefícios sociais à nação

A privatização da Eletrobras teve peculiaridades difíceis para o brasileiro comum compreender, mas que foram fundamentais para a transferência do controle para o setor privado de forma acelerada em junho de 2022 durante o último ano do governo Jair Bolsonaro. No entanto, o que parecia ser uma engenhosa artimanha pode facilitar a sua reestatização. O processo que dispensou a venda em leilão, teve como base uma oferta de novas ações e a limitação do poder de voto dos acionistas a 10%, o que anulou o poder da União. Ele vem recebendo críticas de especialistas que defendem a reestatização. Entre eles, estão  palestrantes que participaram do evento “A  Privatização da Eletrobras e a Engenharia Nacional”, realizado pelo Clube de Engenharia.

A defesa da reestatização foi encabeçada pelo presidente do Clube, Márcio Girão, que fez a abertura do evento. Ele argumentou, por controlar gigantescos reservatórios de água, a antiga estatal tem importância estratégica para diversas atividades econômicas e para a qualidade de vida da população. São usinas que acumulam água que é de importância vital para o abastecimento, a irrigação e até o turismo.

“Também, é relevante lembrar o patrimônio tecnológico adquirido em décadas pela Eletrobras, consubstanciada no CEPEL, em processo de esvaziamento ou até de extinção”, afirmou Girão.

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Márcio Girão, presidente do Clube de Engenharia

O ex-deputado federal Vivaldo Barbosa mediou o seminário, mas não se limitou a essa condução. Ele fez uma exposição em que ressaltou a importância do controle estatal sobre a energia elétrica como fator de soberania nacional, bem como sobre o petróleo e os financiamentos de longo prazo do BNDES. Não é à toa que a Petrobras, o banco público e a ex-estatal de energia foram criadas dentre de um projeto nacional-desenvolvimentista.

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Vivaldo Barbosa: ex-deputado participa do Fórum em Defesa da Eletrobras

“A Eletrobras, que foi concebida no governo Vargas e só efetivada no governo de João Goulart, está inserida numa concepção de projeto de nação, de soberania e sobrevivência de uma nação”, destacou Barbosa. “O que procuram é justamente desmantelar o setor tecnológico, com presença de brasileiros na evolução tecnológica e acima de tudo romper esta integração que existe entre os trabalhadores e o alcance dessas empresas”, acrescentou.

A economista Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, ressaltou na sua exposição que a segurança energética e o equilíbrio tarifário são aspectos que impactam praticamente toda a economia, o que torna a energia elétrica questão estratégica. Em algumas atividades, segundo ela, a conta chega a representar 40% dos custos, o que afeta a previsibilidade com relação a novos investimentos e a operação até de negócios pequenos. As fortes variações tendem a piorar não só com a privatização da Eletrobras como com o crescimento do mercado livre, que pode mascarar os encargos de segurança de sistema, cuja conta uma hora é cobrada.

Ela também ressaltou o fato de o aquecimento global já causar calor extremo no país, o que torna o uso do ar-condicionado uma questão não só de conforto, mas também de saúde para as pessoas. São aspectos que reforçam a necessidade de retomada do controle do Estado sobre o setor para que o interesse público seja preservado, principalmente com visão de longo prazo.

“É muito triste não termos uma perspectiva de desenvolvimento. As mudanças climáticas são muito bruscas, num mundo muito complicado e conturbado, mas é importante estarmos juntos dentro de um projeto nacional. Olhar para o seu povo e para quem está passando fome e sede ou não tem energia. É uma proposta de fortalecimento da democracia”, declarou Clarice Ferraz.

O advogado Angelo Remédio Neto analisou na sua palestra os aspectos jurídicos não só da privatização como da figura da sociedade de economia mista. Segundo ele, apesar dos constantes conflitos que podem ocorrer entre os acionistas privados e o poder público num tipo de empreendimento dessa natureza, o Artigo 173 da Constituição funciona como uma garantia do poder de intervenção do Estado, tendo em vista que a energia elétrica é um bem de alto interesse público e de segurança nacional, princípios protegidos pela Carta.

Além desses aspectos, as inconsistências jurídicas verificadas na privatização da Eletrobras podem levar a uma reversão dessa medida. O caso será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e por enquanto a ação está sendo relatada pelo ministro Nunes Marques, mas a mudança de governo já provocou pelo menos uma mudança no posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU), que está favorável à inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 14.182/2021, que modelou a privatização. A partir dela, a União reduziu sua participação de 65% para 42%, além de perder o controle da administração, apesar de ainda ser a acionista com maior participação.

“A luta jurídica é muito importante, mas não será um ministro do Supremo que vai fazer a Eletrobras voltar para o controle do Estado. Há a necessidade de um movimento político, com atos como este que estamos fazendo”, ressaltou Remédio Neto.

Ele também afirmou que episódios recentes envolvendo não só a rede de transmissão da Eletrobras, como a situação das concessionárias privatizadas anteriormente, devem desacreditar esse processo privatista. O exemplo de São Paulo, onde a falta de resposta rápida da Enel aos estragos da chuva deixou mais de 2 milhões de domicílios sem luz no início de novembro, é emblemático. Para o ex-diretor do Clube José Drummond Saraiva, que também participou do seminário, o risco de apagões tende a aumentar. Segundo ele, houve uma fragmentação do sistema elétrico, com a maior parte da estrutura sendo controlada pelo sistema financeiro. A lógica do lucro imediato tem levado os controladores privados a promoverem demissões em massa, excluindo quadros qualificados das empresas do setor, aumento da terceirização.

“Eu acho que tem que reestatizar e reordenar todas essas empresas. Isso vai levar um certo tempo e vai ter um certo custo porque todas as equipes de engenharia e de manutenção foram desestruturadas. Está tudo terceirizado e mal terceirizado. Essa é a realidade”, avaliou Saraiva.

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Seminário reuniu muitos funcionários e ex-funcionários da Eletrobras no auditório do Clube

Victor Costa, diretor da Associação dos Empregados de Furnas, falou sobre esse processo de precarização, acrescentando que para os funcionários que permaneceram nas subsidiárias, a pressão leva muitos a apresentarem depressão e em situações extremas a tirarem a própria vida. Ele também denunciou as tentativas de mudanças nos critérios dos fundos de pensão e na assistência médica dos trabalhadores. A holding é composta por Eletronorte, Furnas, Chesf e CGT Eletrosul, que são patrocinadoras dos fundos de pensão Eletros, Previnorte, Real Grandeza, Fachesf e Elos, respectivamente. Ao todo possuem recursos avaliados em R$ 42 bilhões, muito acima dos R$ 33,7 bilhões arrecadados na privatização.

“É óbvio que o nosso desafio não é pequeno. Estamos lutando contra um setor que é muito organizado e articulado. Todas as vezes que o movimento sindical tenta subir o tom, vêm as ameaças de demissão por justa causa e até processos abertos”, denunciou Victor Costa.

O subchefe da Divisão Técnica de Energia (DEN) do Clube, James Bolívar, lançou luzes sobre alguns aspectos da privatização ainda pouco alertados que podem causar impactos econômicos graves. Muitas usinas hidrelétricas da Eletrobras que operam em regime de cotas têm tarifas mais baixas (custo de aproximadamente R$ 50 por MWh), por serem justamente investimentos antigos e já pagos, mas nada impediria os controladores privados de a partir de agora elevarem os preços à medida que os contratos vencerem, o que acarretaria aumentos de custos para o sistema. Segundo seus cálculos, a cobrança poderia chegar a R$ 353 por MWh, o que geraria uma receita líquida a mais de R$ 11 bilhões por ano, o que classificou de “negociata”. 

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José Drummond Saraiva durante sua exposição

“Nós no Clube de Engenharia fizemos em 2021 uma nota de repúdio à privatização da Eletrobras, com vários argumentos. Estamos muito necessitados de um processo de planejamento mais profundo, da Eletrobras com a EPE e outras operadoras. Não temos informações do balanço de energia útil, sobre o detalhamento das cadeias energéticas, que precisam ser estudadas para saber o rendimento da matriz e a matriz de preços para saber quem está subsidiando quem”, alertou James Bolivar.

O seminário abriu espaço para debatedores. O diretor de Atividades Institucionais do Clube, Ricardo Latgé, ressaltou na sua intervenção que a luta não é apenas pela reestatização da Eletrobras, mas pela construção de um país mais soberano em diversos aspectos. “Na área do petróleo temos um gás de cozinha altíssimo, temos diesel altíssimo e a Petrobras gerando bonificações enormes”, ressaltou Latgé. 

O ex-deputado Luiz Alfredo Salomão defendeu também uma mobilização maior e a criação de uma força-tarefa para reverter a privatização da Eletrobras e fortalecer a soberania nacional. “O presidente Lula é suficientemente experiente para conduzir essa disputa no STF, de modo a resgatar o poder de voto que as ações ordinárias que o Estado possui representam”, defendeu Salomão.

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A privatização tem gerado protestos

O pesquisador da COPPE Arthur Obino também alertou para o prejuízo causado pela privatização, tendo em vista a gestão das grandes bacias hidrográficas que era feita pelas estatais. “Impossível uma empresa privada com foco no resultado financeiro fazer esse tipo de gestão”, disse Obino. 

João Batista Lemos, presidente do PCdoB-RJ, afirmou que é preciso junto com a reestatização da empresa promover a retomada da capacidade de planificação do Estado. “Precisamos retomar o desenvolvimento econômico em novas bases. Mas isso está na mão do povo brasileiro”, afirmou Lemos.

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Oferta de ações na Bolsa de Valores abriu espaço para perda de controle da União, que também não tem representação proporcional ao seu capital. Crédito: Bruno Spada/MME

A conselheira do Clube Olga Simbalista afirmou que o setor energético tem não só importância estratégica para o desenvolvimento interno do país, mas está envolvido também com aspectos geopolíticos, principalmente quando a fonte é nuclear. “Com essa guerra da Ucrânia, o nuclear passou a ter um papel eminentemente estratégico”, destacou Olga.

O evento tende a ser um pontapé inicial para uma série de atividades a fim de mobilizar a sociedade em prol da soberania energética do país. Uma maior articulação é fundamental para a realização de ações de ordem política e técnica em defesa dos interesses nacionais no que diz respeito ao setor.  

Assista aqui ao seminário:

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