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Arte e ciência podem, sim, compartilhar conhecimentos

Arte e ciência podem, sim, compartilhar conhecimentos
Um Projeto para a Reconstrução do Brasil

Os físicos Luiz Davidovich e Ennio Candotti defendem formação mais holística para estudantes em palestras para o Humanidades na Engenharia

A especialização excessiva do conhecimento foi uma tendência hegemônica no campo acadêmico do século XX, que vive uma crise nos dias atuais. As universidades, com seus departamentos estanques, tendem a formar profissionais que na maioria das vezes já não conseguem se adequar aos desafios do mundo do trabalho. Um sinal disso foi uma pesquisa realizada pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) que mostra que apenas 14,87% dos jovens que concluíram a graduação no país entre 2019 e 2020 conseguiram empregos nas suas áreas de estudo. 

A falta de uma formação mais ampla e a necessidade de maior integração entre os diferentes campos do conhecimento científicos e os saberes humanos foi justamente o tema de duas palestras feitas por físicos renomados, promovidas pelo Clube de Engenharia. Ennio Candotti e Luiz Davidovich apresentaram suas visões da crise pela qual passa a ciência, abordando caminhos para uma formação mais holística dos jovens. A participação dos cientistas representou uma rica contribuição para o projeto Humanidades na Engenharia, que vem reunindo desde o ano passado ilustres convidados para tratar desse desafio de romper fronteiras impostas aos diferentes campos.

Davidovich, que é professor emérito do Instituto de Física da UFRJ e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, ressalta que ao longo do século XIX e início do XX havia uma integração maior entre os diferentes saberes, muitas vezes sem separação entre arte e ciência. Coincidência ou não, o fato é que há muitas correspondências entre a Teoria da Relatividade Especial de Albert Einstein, publicada em 1905, e o quadro “Les Demoiselle D’Avignon”, pintado por Pablo Picasso, em 1907. Foram trabalhos revolucionários, que mexeram com referenciais até então sólidos de tempo e espaço. 

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Pablo Picasso – Les Demoseilles D’Avignon
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Albert Einstein

Para o físico brasileiro, a proximidade das datas não ocorreu por acaso. Ambos os gênios tinham interesses de pesquisa amplos, incluindo humanidades e técnica, e participavam de grupos de estudo com esse objetivo. Einstein e Picasso foram influenciados pelo matemático francês Henri Poincaré, que introduziu a quarta dimensão na geometria. Houve de fato um tempo em que ciências exatas, arte e cultura andavam juntas. Mas esses caminhos cruzados foram com o tempo se separando, obrigando as gerações seguintes a seguirem um modelo de maior especialização.

No entanto, iniciativas mais recentes têm buscado a retomada da comunicação entre as diferentes áreas. Uma delas foi a reforma curricular promovida por Lawrence Summers na Universidade de Harvard (EUA), em 2004. Os estudantes tiveram que passar a se matricular em disciplinas de departamentos diferentes, com o objetivo de proporcionar uma base de conhecimentos mais complementar e ampla. A Universidade de Xangai, na China, também realizou reformulação e reduziu drasticamente o número de cursos, procurando evitar a especialização extrema.

Esse movimento pode ter sido até antecipado por visionários como o físico inglês Charles Percy Snow, que numa conferência em 1959 defendeu um maior diálogo entre cientistas e intelectuais. No Brasil, o projeto inicial da Universidade de Brasília (UnB), que teve entre os fundadores o educador Anísio Teixeira, também procurava eliminar muros entre os campos do conhecimento, mas a ideia acabou enterrada na ditadura militar. As resistências são muitas, mas a necessidade de os profissionais lidarem com as inovações, a formação continuada, o empreendedorismo e o impacto social e ambiental de suas atividades trazem o debate sobre uma nova formação à tona. São habilidades que, por outro lado, só serão plenamente desenvolvidas com o devido aprimoramento do ensino básico. 

Não dependo só do Ensino Superior. Acho que temos uma tragédia atualmente na educação básica no Brasil. Então não adianta ficar corrigindo a educação superior. Nós precisamos de uma educação básica que elimine as diferenças entre os estudantes oriundas dos berços em que nasceram. Mas ao contrário, realçam essas diferenças”, defendeu o Davidovich, que cita os exemplos da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, e da Universidade do Sul da Bahia como contraposições ao modelo tradicional de separação das áreas de conhecimento.

Ennio Candotti também busca inspiração na arte para falar sobre ciência, mas mergulha num período mais antigo para relacionar as diferentes áreas de conhecimento. Ele ressalta a sabedoria egípcia, que representava os seres através de pinturas em duas dimensões, afinal o tato era tão valorizado que qualquer sinal de perspectiva nas imagens era proibido para que as pessoas não perdessem a capacidade de percepção. Por isso, ele defende a revalorização do toque e da apreensão da realidade através dos sentidos, a fim de que as lições das civilizações antigas não sejam perdidas. 

Mesmo com tantas tecnologias digitais disponíveis, o atual diretor do Museu da Amazônia e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) defende o uso de instrumentos simples para a realização de tarefas. Sem deixar de lado as novas tecnologias, segundo ele, temos que retomar os trabalhos manuais.

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Pablo Picasso

Junto com o computador, nós deveríamos vender também uma cestinha com uma roda, uma alavanca, uma cunha e um pequeno guindaste. Com esses aparelhos, antes de inventar a ciência e toda a informatização ou mesmo o ler e escrever, se construíram casas, pontes, navios, todos os instrumentos que nasceram junto com a escrita”, afirmou Candotti. “Deveríamos adotar um kit mínimo para calibrar nossas conversas, para sabermos o que é verdade ou não”, acrescentou ele.

Cientista premiado com o Kalinga da Unesco, Candotti alerta para a perda cada vez maior de noção do verdadeiro e do falso. Portanto, mais do que conhecimento técnico especializado, a educação tem como missão recuperar essa capacidade humana que vem sendo enfraquecida justamente pelo excesso de informação digital, pois é a própria confiança na ciência que fica em risco.

Nos dias de hoje precisamos muito da ajuda dos trabalhos manuais, da experiência do fazer. Precisamos de mais espaços experimentais, onde os objetos possam ser tocados”, explicou Candotti.

Saiba mais sobre o projeto Humanidades na Engenharia e assista aos vídeos dessa iniciativa do Clube na revista Projetos Especiais.

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